Há
alguns dias tive um sonho. Foi mais um capítulo de um sonho
recorrente, que nunca mais havia me visitado à noite. A visita foi
ainda mais inesperada porque geralmente eu tinha aquele sonho quando
me sentia vulnerável.
E
aquele não era o caso, definitivamente: eu estava dormindo na casa
de amigos, voltando de uma festa muito divertida, em uma viagem
gostosa. Por que havia de novo tido aquele sonho onde eu me sentia
frágil e pequena?
Não
sei. Mas meu não entender (“ainda isso, uai?”) me levou a querer
fazer algo a mais, um pouco mais simbólico, para além de meditar e
refletir sobre. Quis transformar aquilo em música. Quis escancarar
para mim mesma.
Eu
já havia escrito um texto sobre o assunto há alguns meses, e já
havia sido uma bela catarse. Após escrevê-lo me senti mais forte,
mais resolvida em relação àquele tópico (falando assim me admiro
ao perceber, mais uma vez, o quanto as palavras são incríveis: uma
simples crônica diminui angústias, como pode?). E peguei exatamente
este texto, que servira como mais uma peça do meu grande
quebra-cabeças, e com ele fiz a base de uma letra. Fui transformando
e fui gostando, vi que era musicável, que dava vontade de criar uma
melodia - que bom! Mas o engraçado desse processo é que todo dia eu
pegava o violão e tentava ir além, mais um pouquinho. Tentava
ajustar aqui, ali. Porque ok, eu havia criado uma melodia, mas não
estava gostando, não. Podia ficar melhor, podia ter mais a ver com o
assunto, podia ter mais força. Fiquei uns dez dias nessa. Não
queria que logo aquele assunto virasse uma canção que não me
agradasse. Eu queria ter prazer ao cantar aquilo, ao me ouvir dizendo
aquelas palavras.
E
quando, lá pelo décimo dia, tive uma ideia melódica mais
interessante (na verdade pensei em um ritmo específico que puxou uma
melodia bem mais de acordo com o que eu dizia), foi uma sensação
muito boa. Foi muito bom cantar com prazer aquela letra, foi muito
potente falar de um assunto incômodo e ter prazer ao fazê-lo.
E
isso só aconteceu porque fiquei insistindo nisso, porque não
larguei de mão. Confesso que já estava achando que aquele processo
estava levando tempo demais, enquanto eu precisava estudar e
trabalhar, resolver questões “práticas” (sempre elas, a
perfeita desculpa para sabotar as questões mais importantes). Mas
saí dessa experiência entendendo que o que fiz foi muito pouco, que
isso nem sugou tanto assim o meu tempo, e que valeria ter investido
ainda mais, se tivesse sido necessário, porque não há nada mais
importante do que se entender, se colocar, falar de si consigo, pôr
os demônios para fora.
Ainda
não entendi porque sonhei mais um capítulo do sonho recorrente
justo em um final de semana tão divertido, ao lado de pessoas que
amo (e que me fazem sentir o menos vulnerável possível), em uma
cidade de que tanto gosto. Até agora não entendi, e nem sei se vou
– e nem sei se isso é importante, por ora. Importante mesmo foi a
lição de que a insistência nos leva longe, talvez até exatamente
onde queremos ir. E igualmente importante foi transformar o
desconforto em delícia – afinal,
"o que dentro de ti te mata, fora de ti te salva", já nos
disse Amir Haddad.