Onde você se sente mais confortável? Em qual
lugar você fica mais tranquilo e, ao mesmo tempo, se sente mais potente? Onde
você se mostra com tudo aquilo que tem de melhor?
Eu entendi que me sinto mais potente em meus
momentos de criação. É este o lugar onde me sinto mais feliz comigo. É onde
sinto a tal da euforia, aquele
sentimento que nos vem quando ficamos felizes com algo que fizemos (assim Amir ensina). E agradar a si mesmo
é precioso. Pessoalmente, quando crio algo e fico satisfeita, sinto-me mais
segura, tranquila, em paz, alegre. Tudo isso junto.
Desde que comecei a colocar meu trabalho autoral
na roda, algo muito forte mudou em mim. Continuo
sendo a mesma pessoa cheia de dúvidas, mas o efeito de voltar a utilizar a
criatividade na música me deixou muito mais entusiasmada. Os dias têm parecido mais
curtos, visto que há vontade demais de fazer tanta coisa. Essa criatividade
desperta me levou a querer criar mais e mais, e, a reboque, também me levou a
querer fazer mais em diferentes âmbitos, mas de forma focada. Me levou a saber mais o que quero, e a perder menos
tempo com o que não quero tanto (ou só quero por vaidade). Me deixou com
vontade de lançar mais livros, de estudar mais, de fazer mais conexões entre as
artes e os assuntos que me atraem, por exemplo.
Mas tudo isso sem desespero. Porque sempre, ou
quase sempre, houve em mim certo desespero para “mostrar serviço” (que vício!)
em diferentes áreas de atuação. Essa ânsia ainda existe, mas diminuiu muito, e
tem diminuído a cada dia. O que desejo agora não é entrar em outras bandas, me
filiar a diversos projetos, como tantas vezes fiz, apenas para me mostrar atuante,
ativa, ocupada. Não quero estar ocupada. Quero ter tempo livre para fazer o que
preciso/gosto de fazer. E hoje eu diria que sei, relativamente bem, que coisas
são essas.
Tenho
sentido menos medo de negar propostas, de aceitar a solidão que a criação pede.
Apesar de amar a solidão desde criança, eu, paradoxalmente, já há uns bons
anos, tenho me mantido bastante ocupada, acumulando diversas funções.
Certamente isso tem a ver com a tal da vontade de legitimidade. Só para poder
dizer: “fiz isso, fiz aquilo, estou fazendo isso com fulano, amanhã farei isso
com sicrana, estou super ocupada, sou super bem sucedida, conheço todo mundo,
sou foda.” Ok, a gente não admite, mas se acha o máximo (lamentavelmente) pelo
simples fato de não ter tempo para si. Porque, olha que horror, imagina se alguém
puxar papo contigo e você não tiver nada a dizer? Chato, né? Constrangedor. (Que
deprê saber que a gente deixa de ficar a sós, matutando, no ócio criativo, só
para ter material para puxar papo furado, meia-boca, com semidesconhecidos. Ok,
e para prestar contas com a família e com os amigos próximos, também. Mas o fato
é: masoquismo e autoboicote mandam lembranças, e odeiam o trabalho invisível.)
E, ao mesmo tempo, não acho que existam lugares
fixos na vida. Tudo isso é o que eu estou sentindo no momento. Posso pensar
diferente daqui a um tempo, posso querer voltar a fazer as coisas que tenho
negado hoje em dia. Mas, por ora, não tenho vontade de ser a vocalista de um grande
e numeroso grupo percussivo, por exemplo. Por ora, não tenho mais vontade de
ser apenas intérprete. Por ora, não tenho o desejo de voltar a ser corista,
como já fui. Não sinto mais tanto entusiasmo em ser backing vocal. E na verdade
já nem acho que eu tenha muito a oferecer nestes âmbitos (e só agora vejo isso).
Acho que tenho muito mais a oferecer, ao menos para mim, fazendo o que estou
fazendo agora. Escrevendo, cantando o que escrevo. Isso me preenche muito mais.
Mas é bonito ver o quanto cada momento nos pede
diferentes coisas. Tudo o que vivi foi interessante em seu devido momento, me
ajudou a superar certas coisas, me ajudou a entender outras, me ajudou a sair
de alguma situação viciada, ou mesmo a conhecer melhor a minha voz... Mesmo que
algumas coisas tenham sido uma fuga, me ajudaram a me encontrar (eu pensei fugir de mim, mas aonde eu ia eu
tava).
Comecei perguntando “onde você se sente mais confortável,
tranquilo e potente?”. Considero este questionamento fundamental. Mas há uma pergunta-irmã dessa aí, talvez tão pertinente quanto: quais lugares te deixam mais desconfortável, menos tranquilo e menos potente?