segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Onde?



Onde você se sente mais confortável? Em qual lugar você fica mais tranquilo e, ao mesmo tempo, se sente mais potente? Onde você se mostra com tudo aquilo que tem de melhor?
Eu entendi que me sinto mais potente em meus momentos de criação. É este o lugar onde me sinto mais feliz comigo. É onde sinto a tal da euforia, aquele sentimento que nos vem quando ficamos felizes com algo que fizemos (assim Amir ensina). E agradar a si mesmo é precioso. Pessoalmente, quando crio algo e fico satisfeita, sinto-me mais segura, tranquila, em paz, alegre. Tudo isso junto.
Desde que comecei a colocar meu trabalho autoral na roda, algo muito forte mudou em mim. Continuo sendo a mesma pessoa cheia de dúvidas, mas o efeito de voltar a utilizar a criatividade na música me deixou muito mais entusiasmada. Os dias têm parecido mais curtos, visto que há vontade demais de fazer tanta coisa. Essa criatividade desperta me levou a querer criar mais e mais, e, a reboque, também me levou a querer fazer mais em diferentes âmbitos, mas de forma focada. Me levou a saber mais o que quero, e a perder menos tempo com o que não quero tanto (ou só quero por vaidade). Me deixou com vontade de lançar mais livros, de estudar mais, de fazer mais conexões entre as artes e os assuntos que me atraem, por exemplo.
Mas tudo isso sem desespero. Porque sempre, ou quase sempre, houve em mim certo desespero para “mostrar serviço” (que vício!) em diferentes áreas de atuação. Essa ânsia ainda existe, mas diminuiu muito, e tem diminuído a cada dia. O que desejo agora não é entrar em outras bandas, me filiar a diversos projetos, como tantas vezes fiz, apenas para me mostrar atuante, ativa, ocupada. Não quero estar ocupada. Quero ter tempo livre para fazer o que preciso/gosto de fazer. E hoje eu diria que sei, relativamente bem, que coisas são essas.
Tenho sentido menos medo de negar propostas, de aceitar a solidão que a criação pede. Apesar de amar a solidão desde criança, eu, paradoxalmente, já há uns bons anos, tenho me mantido bastante ocupada, acumulando diversas funções. Certamente isso tem a ver com a tal da vontade de legitimidade. Só para poder dizer: “fiz isso, fiz aquilo, estou fazendo isso com fulano, amanhã farei isso com sicrana, estou super ocupada, sou super bem sucedida, conheço todo mundo, sou foda.” Ok, a gente não admite, mas se acha o máximo (lamentavelmente) pelo simples fato de não ter tempo para si. Porque, olha que horror, imagina se alguém puxar papo contigo e você não tiver nada a dizer? Chato, né? Constrangedor. (Que deprê saber que a gente deixa de ficar a sós, matutando, no ócio criativo, só para ter material para puxar papo furado, meia-boca, com semidesconhecidos. Ok, e para prestar contas com a família e com os amigos próximos, também. Mas o fato é: masoquismo e autoboicote mandam lembranças, e odeiam o trabalho invisível.)
E, ao mesmo tempo, não acho que existam lugares fixos na vida. Tudo isso é o que eu estou sentindo no momento. Posso pensar diferente daqui a um tempo, posso querer voltar a fazer as coisas que tenho negado hoje em dia. Mas, por ora, não tenho vontade de ser a vocalista de um grande e numeroso grupo percussivo, por exemplo. Por ora, não tenho mais vontade de ser apenas intérprete. Por ora, não tenho o desejo de voltar a ser corista, como já fui. Não sinto mais tanto entusiasmo em ser backing vocal. E na verdade já nem acho que eu tenha muito a oferecer nestes âmbitos (e só agora vejo isso). Acho que tenho muito mais a oferecer, ao menos para mim, fazendo o que estou fazendo agora. Escrevendo, cantando o que escrevo. Isso me preenche muito mais.
Mas é bonito ver o quanto cada momento nos pede diferentes coisas. Tudo o que vivi foi interessante em seu devido momento, me ajudou a superar certas coisas, me ajudou a entender outras, me ajudou a sair de alguma situação viciada, ou mesmo a conhecer melhor a minha voz... Mesmo que algumas coisas tenham sido uma fuga, me ajudaram a me encontrar (eu pensei fugir de mim, mas aonde eu ia eu tava).
Comecei perguntando “onde você se sente mais confortável, tranquilo e potente?”. Considero este questionamento fundamental. Mas há uma pergunta-irmã dessa aí, talvez tão pertinente quanto: quais lugares te deixam mais desconfortável, menos tranquilo e menos potente?

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Outra opção: show em casa


               No dia 8 de julho, há pouco mais de um mês, fiz um show em minha casa. Foi a terceira vez que fiz isso.
A primeira vez foi em dezembro de 2015, quando cantei algumas canções do CD Temperos. E em dezembro de 2016 fiz o segundo show em casa, dessa vez já com as canções do projeto Outra língua. Foi muito, muito bacana. E essa terceira vez, mês passado, foi ainda mais interessante.
Primeiro, porque aproveitei para comemorar meu aniversário, então só isso já deu um gosto especial à coisa – ficou um clima de celebração e encontro com os amigos. Segundo, porque foi também a despedida da casa onde morei por três anos, e por isso foi um show em uma casa mais espaçosa, quase vazia de móveis.
Eu quis muito fazer esse show também pelo fato de que seria uma forma de cantar em um sábado à noite. Com o Outra língua, fiz shows terça e quinta (Centro da Música Carioca), sábado à tarde (Baratos da Ribeiro e Parque das Ruínas) e a única sexta-feira foi em um show em São Paulo, na Mora Mundo. Mas para conseguir fazer um show no “horário nobre” de sabadão à noite, só quando eu dei um jeito. E sei que foi por essa razão que vários amigos puderam comparecer.
(Não quero mitificar o sábado, não. Pelo contrário: pessoalmente, prefiro curtir na rua de segunda a quinta e ficar em casa no FDS, talvez porque isso contrarie um pouco aquela lógica da diversão como sendo exclusiva dos finais de semana, a mesma lógica que impõe, mesmo que sutilmente, que todos os outros dias sejam apenas reservados às obrigações e nada mais. Mas é fato que muitos dos amigos somente podem estar presentes em um sábado à noite.)
Esse lance de fazer ações artísticas em casa é muito potente. Falei já, em outro texto, sobre a importância da rua. E, por mais que pareçam locais opostos, penso que a rua e a casa têm o mesmo clima de quebra de uma estrutura elitizada – estrutura que seleciona, deixa tantos artistas de fora, faz uma peneira estranha, com critérios misteriosos, ou apenas se guia por critérios financeiros, mesmo. É direito das casas de show ou bares quererem ganhar grana e consequentemente deixarem a arte em segundo plano. E é meu total direito não querer participar disso, e me limitar (quer dizer: expandir) a fazer shows apenas em locais onde eu me sinta confortável em diversos sentidos. A casa é um desses lugares. A rua é outro.
E vejo que a iniciativa de abrir a casa para a arte e para as próprias iniciativas tem se espalhado, tem se mostrado satisfatória, tem sido uma ótima ideia. O artista Alex Frechette já fez duas grandes exposições caseiras (2015 e 2016). O músico e escritor Leonardo Panço lançou seu livro Esporro em sua casa, em 2011. A cantora e compositora Deh Mussulini fez em junho deste ano um show em sua casa, em Belo Horizonte, ao lado de Sofia Cupertino. Wagner José (& Seu Bando) fará um show em sua casa, em Jacarepaguá, nesse domingo. E neste sábado, agora, irei ao show de um amigo que resolveu fechar logo três sábados consecutivos para se apresentar em sua própria casa. Este último é um show privado, e penso que o barato de fazer algo em sua própria casa é esse mesmo: você é que decide como quer – privado/aberto; gratuito/pago; bebidas à venda/esquema festa americana –, não tem que negociar com dono de estabelecimento nem aguentar cara feia e climão: pode fazer da forma que você acredita que funcionará melhor.
Tenho tocado bem pouco, ultimamente, e quero tocar muito mais, porque gosto muito de me apresentar ao vivo. Mas cada vez menos fico na sanha de aceitar qualquer coisa só para mostrar a cara. E cada vez mais quero cantar em lugares que tenham a ver comigo e com meu som. Há ainda muitos centros culturais, instituições, casas coletivas, teatros onde quero tocar. Mas por ora estou fazendo o que depende só de mim, e de mais ninguém.
Fechando: aos amigos músicos/escritores/artistas plásticos/etc. que já pensaram na possibilidade de fazer algo do tipo, diria para ao menos experimentarem, uma vezinha. Abrir a casa pode ser muito estimulante. A mim deu um gás tão grande que, no dia, após o show, nem consegui dormir direito. A adrenalina e a felicidade me impediram de parar de pensar naquele encontro tão bacana com os amigos, com a música, com a minha casa, comigo.
P.S.: Já estou há um mês e um tiquinho na casa nova, e já pensando no melhor local (quintal? ou dentro, mesmo?) e na melhor data para fazer um show aqui.


quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Outra hora (agora, não)

Já reparou que nunca é a hora? Que nunca é o momento de mostrar a cara? Nunca é o mês certo. Nem o ano certo. Ainda falta, você ainda é verde, falta experiência, sempre faltará.
É uma fase da vida que ainda (=nunca) chegará. Magicamente, algum dia você vai sentir que finalmente está pronto para fazer o que deve fazer. 
                É algo que também no dia a dia fica evidente, repare: nunca é a hora de parar e pegar o violão. Nunca é a hora de parar para escrever. Nunca é a hora de dar o primeiro passo em relação àquele projeto que você tanto quer tirar do papel. Nunca é a hora de se dedicar ao que você mais gosta. Nunca há um tempo prontinho, ali, reservadinho, adequado, para você fazer o que deve fazer. Nunca. Para todas as outras coisas você acha um tempo qualquer, espreme ali na agenda, inventa uma horinha para passar no banco, se vira para dar uma aula ou até visitar o amigo, mas nunca, nunca, vai ter tempo de fazer aquilo que você precisa fazer.
Mesmo que o seu coração aperte toda vez que você vir seus colegas e companheiros seguindo suas vocações e fazendo o que amam – e você ali, entendendo perfeitamente que aquele é o aperto de quem foge do que deveria estar fazendo –, se convença sempre de que não é a hora, ainda, e aí você pode seguir fazendo tudo o que mais odeia e permanecer boicotando seus talentos, sua vocação, sua vontade mais verdadeira e bonita. Aquele trabalho que, na verdade, talvez nem seja tão difícil assim de realizar, visto que você faria com amor, alegria e entusiasmo, mesmo que te cansasse, te exaurisse, mesmo que doesse e te fizesse chorar, seria bem mais agradável do que aquilo que você faz hoje (afinal, você choraria por algo que valeria a pena). Seria muito mais empolgante e preencheria muito mais sua vida do que aquela função que você cumpre e odeia com todas as suas forças, quase num masoquismo, escolhendo a coisa que menos tem a ver com você, com o tipo de pessoa que você é, com o que acredita. Você se trai a cada dia, cada vez mais, e tudo bem. Porque por fora você parece estar fazendo a coisa certa – não está agindo como um louco, aquele louco que só faz o que quer, sabe? Aquele ali, que paga os mais altos preços por se respeitar, e, aliás, leva uma vida interessantíssima – sejamos honestos. 
              (e o grito interno vem: quero viver assim também! A vida deveria ser isso, e não o contrário.)
  Todos serão da opinião de que você é prudente (por fazer algo prático, racional; e por esperar o dia de São Nunca chegar). Aliás, percebi algo: acho que quem larga um sonho sempre será aplaudido, ou quase sempre. “Deixou para lá essa história de seguir o que ama e virou adulto” ou “Parou de ficar andando para cima e para baixo com aquela guitarra e começou a ganhar dinheiro” (essa última fala aí eu testemunhei). E quem poderá ser responsabilizado pela depressão resultante dessa desistência, hein? Ninguém. Só o desistente, mesmo (você). Porque o mundo inteiro pode incentivá-lo a se desrespeitar, mas só uma pessoa pode levar isso a cabo (você).
Mas antes de quaisquer outros influenciando, a questão é o próprio eu, que se nega a admitir vontades vistas como excêntricas ou engraçadas. Que morre de vergonha de admitir que o maior sonho é ser bailarino. Que desde criança quis trabalhar com games e tecnologia. Que vive sonhando em ser professor de biodanza. Esses sonhos, vão dizer, não têm nada a ver contigo, não se parecem com você. Mas parecem, sim, e sempre pareceram, e você sabe disso. E só você pode se cobrar em relação a este segredo bem guardado.
E o pior é que de fato há momentos em que realmente devemos esperar um pouco, ou até mesmo muito. Então, uma vez passando por essa experiência bem sucedida do esperar, a gente pode usar sempre a desculpa de que esse procedimento já funcionou, que faz sentido esperar o momento certo, que não estamos com medo e que é preciso mesmo dar tempo ao tempo.
Não se trata de covardia, ora: observe que mesmo aquela pessoa lá, aquela na qual você confia demais e que sempre te ajuda, sabe?, enfatiza que você deve esperar. Então, mesmo que você – e mais ninguém – saiba, tenha certeza de que poderia e deveria estar fazendo algo, pode-se usar este artifício: aquele ali, mais experiente, disse que ainda não era a hora. Mesmo que ele não te conheça tão bem assim, use-o como justificativa.
O fato é que seu corpo inteiro teme fazer o que é preciso fazer. Você tem pavor de fazer algo e dar merda (e vai dar, com certeza, pois agir é favorecer o surgimento de problemas, mesmo). Então fique quieto, que aí não vai dar merda nunca.
Você nunca estará pronto para fazer o que deve fazer. Mesmo que esteja pronto para fazer milhares de outras coisas desagradáveis e estranhas, cansativas, contrárias à sua filosofia de vida. Mas fazer o que você ama? Não. Espere. Você nunca estará maduro o suficiente para enfrentar a única coisa que de fato vale a pena.