Sempre lembro de uma
palestra-conversa de Edu Krieger, realizada em 2015, onde o compositor falou sobre
seu processo de criação. Foi uma tarde agradável, discordei de alguns pontos,
concordei com vários outros, tudo ok. Mas, com o passar do tempo, fui
percebendo que eu citava uma ou outra fala de Edu com amigos, vira e mexe, e
que até mesmo compus algumas vezes pensando em certos pontos que ele tinha abordado. Entendi,
então, que aquela tarde havia sido bem mais importante do que apenas agradável.
Lembro vez ou outra de Edu falando, por
exemplo, sobre o quanto é proveitoso ouvirmos aqueles que influenciaram os
artistas que admiramos: “Como adorava Chico Buarque, fui ouvir Noel Rosa”,
disse ele. Lembro de Edu nos falando sobre como, ainda muito novo, suas canções
ainda tinham um excesso de inocência e eram por demais “violonísticas” (entendi
isso como: um pouco viciadas naquilo que os acordes proporcionam, um pouco reféns
daquilo que ele, como violonista, fazia com o instrumento). Nos falou sobre
como é bom um pouco de “veneno” nas canções, algo obscuro em algum momento, um
pouco de “maldade”. Falou isso e muito mais, inúmeras coisas que não saíram de
minha cabeça e outras poucas que devem ter saído. Mas o mais bacana foi
perceber o quanto é um grande privilégio saber sobre o processo de criação de alguém.
Vi o quanto conversar sobre criação é proveitoso, o quanto se entende um pouco
melhor do próprio processo ao ouvir como funciona o do outro.
Também em 2015, ano em que quis
voltar a escrever e compor, li algumas matérias sobre o assunto na internet. E
digo que me incentivou muito ler artigos onde compositores falavam sobre seus
processos, todos generosos, incentivando aqueles (muitos) que, como eu, ou
estavam enferrujados depois de tanto tempo sem praticar, ou ainda não haviam
começado a prática, e por isso sentiam-se como se estivessem diante de algo
misterioso.
Há pouco tempo um colega
compositor criou um grupo no Facebook para falar sobre o processo de composição
e poder trocar impressões com outros músicos. Foi bacana vê-lo descrever seu
medo em iniciar uma nova canção, por exemplo – algo que também acontece comigo,
algo que deve acontecer com tantos por aí. Acho ótima esta iniciativa de falar
sobre um assunto que muitas vezes fica meio de lado, por várias possíveis
razões.
Por isso considero generosa a
atitude de todos que se se dispõem a falar sobre, que gostam de falar sobre
(porque ninguém é obrigado a gostar de dividir isso). É bom saber da dúvida de
outros, é bom saber qual a técnica, de cada um. Li agora, por exemplo, um
pequeno artigo que rapidamente explicava a técnica de criação de David Bowie, a
cut up technique. Recomendo a leitura, até
mesmo porque há um rápido vídeo do próprio Bowie mostrando como esta técnica funciona.
E dia desses achei um vídeo
muito bacana da Karol Conka, onde ela, em um making of da gravação de “Tombei”, acabou mostrando um pouco do
processo de criação desta música. É muito legal ver como a letra vai nascendo,
como Karol vai gravando alguns trechos e depois diz que ela e Zegon (Tropkillaz)
se encarregarão de colocar mais “músculo” na canção, que por ora ainda é só um “esqueleto”.
Ah, também não posso deixar de
mencionar o livro Todas as letras de
Gilberto Gil. É muito bacana ler os depoimentos de Gil sobre a criação de “Sandra”
e de tantas outras. Recomendo a leitura a qualquer um, compositor ou não.
Para terminar, lembrei de mais
um rápido episódio, aqui em casa: estava há um tempinho empacada em duas canções
cujas letras fiquei feliz de ter escrito, mas suas melodias não me estavam
satisfazendo de jeito nenhum. Daí resolvi falar como o meu companheiro, que foi
muito prolífico como compositor (e hoje o é nas artes plásticas), para ver se
eu estava sendo só preguiçosa ou se era assim com todo mundo: “Você conseguia
fazer uma música sobre qualquer assunto que quisesse abordar?”. Ele me disse
que não, que às vezes não rolava, às vezes era mesmo complexo criar uma melodia
para uma letra específica, e unir os elementos melodia e letra nem sempre é fácil. Gostei de compartilhar minha dúvida,
porque entendi que às vezes a coisa não sai, mesmo, e não necessariamente trata-se de preguiça. Pode ser que valha a pena
tentar uma parceria (foi o que fiz). Ou deixar passar um tempo até que a
letra/melodia pareça nova...
O interessante é que fiz este blog para falar principalmente
sobre criação, mas é inevitável cair em outros assuntos, também tão bacanas de serem desenvolvidos quanto o da composição. E continuarei abordando outros
tópicos, mas desejo falar mais vezes sobre este momento em que temos uma ideia e
sobre tudo o que vem depois disso – o esforço para materializá-la, desenvolvê-la, melhorá-la. Ajudar a desmistificar um pouco esse momento e também essa capacidade, que todos os seres humanos têm.