O
que nos impede de fazermos algo artisticamente? O que nos impede de
iniciarmos uma vida de cantores, atores, escritores, poetas etc.?
Falando
por mim, mas desconfiando (=tendo certeza) de que este seja o caso de
muitos outros, vejo que o que me impedia era aquela tal “autorização”
de alguém. Era preciso fazer um curso antes, era preciso ter anos e
anos de aprendizado para, só então, começar a fazer algo – cheia
de medo e me
achando péssima.
Fiquei
pensando que este foi o meu caso em algumas áreas da arte – menos
na música. Essa eu subestimei bastante, e por isso (tudo tem um lado
bom) achei que não era necessário fazer um preparatório antes de
começar a cantar. Saí cantando e, no meio disso tudo, fui me
encontrando e me perdendo, me encontrando e me perdendo de novo e por
aí vai. Fiz um curso de teoria musical, por exemplo, mas apenas
quando já cantava em um grupo vocal e vi que aquilo me ajudaria com
as partituras. O estudo só me ajudou. As aulas de canto que fiz,
mais tarde, também foram apenas uma valiosa manutenção da voz que
eu já usava em shows e gravações. Felizmente não usei este ensino
como freio, mas como auxílio para algo que eu já colocava em
prática.
Mas
quis escrever este texto quando percebi que o que me ajudou, mesmo,
foi arriscar e pagar alguns micos, passar uns vexames e vergonhas.
Olhar para trás e ver que algumas coisas que fiz musicalmente
(canções ou apresentações) não eram/foram lá muito boas, foi
ótimo. No sentido de que eu fui lá e paguei o mico que é preciso
pagar quando se quer fazer algo. Querer estrear já brilhando pode
ser armadilha para um adiamento eterno. Só passando por uns
vexamezinhos (alguns destes só vistos como vexame anos e anos depois) é
possível ir amadurecendo e entendendo o que é necessário
modificar.
O
que nos mina a energia, mesmo, é jamais iniciar. Nunca haver este
rito de passagem. Nunca existir o marco zero de seu processo. Iniciar
é fundamental! Fazer mal feito faz parte, para depois ir moldando
este mal feito; ir fazendo deste troço mal acabado algo parecido com
o que você quer dizer. É frustrante não sentir o gosto da alegria
de começar algo e nem o gosto da decepção por este algo não estar
ficando “lindo” como se imaginava. É muito importante se ver
fazendo, e se ver capaz; importantíssimo “mandar mal” e seguir
em frente. Penso que um estado melancólico de vida muitas vezes tem
a ver com este não iniciar ou este não concluir. A criatividade é
essencial para a vida, e é material que todo ser humano tem.
E
este processo não acaba. Não é à toa que tantos artistas nomeiam
seus últimos trabalhos como os “preferidos”. Há uma melhoria
contínua, uma tradução cada vez mais exata daquilo que se quer
expressar. Nossos trabalhos iniciais devem ser sempre vistos com
respeito e carinho (pois foram os precursores de tudo), mas é
saudável, penso, que eventualmente tenhamos críticas a estes. (Caso
não tenhamos, ótimo!) Os primeiros trabalhos, as primeiras vezes,
os primeiros riscos, as primeiras tentativas estranhas e desajeitadas
são parte fundamental de nossa melhoria e do ponto onde estamos hoje
– certamente um pouco mais avançados em nossa arte do que antes.
Há
coisas recentes que fiz e não curto muito. Mas como eu teria feito
as últimas canções, das quais gosto bastante, se não tivesse
exercitado com essas anteriores? Como eu teria entendido e pensado
“não é assim que quero que minhas canções sejam” se não as
tivesse finalizado? Eu teria ficado tão desanimada que não teria
seguido criando outras canções.
Está
na hora da gente pagar os micos que a arte exige de nós. Está na
hora da gente ficar se sentindo vulnerável e com vergonha por dias
por algo que fizemos. É importante confundir
a melodia,
esquecer a
letra,
errar o tom, desafinar, ir melhorando, ir se gostando, ir sentindo
seguro. E continuar errando, sempre, porque é inevitável e faz
parte dessa coisa tão boa para a alma que é ser artista.
Para
finalizar, deixo
o refrão de “Errática”, letra de Mauro Aguiar com melodia de
Chico Saraiva:
“Eu recorro ao erro sempre que posso, e erro, e erro e erro... Sem
remorso!”.