quinta-feira, 26 de julho de 2018

Sou da América, sul da América, South America!




Aprendi o inglês para querer entender as letras do Blind Melon. Aprendi pedindo a meu pai que as traduzisse a meu lado, e pedia a ele toda noite uma aula. Deu certo. Em pouco tempo ele já estava corrigindo as minhas cartas para os integrantes da banda, e fazendo avaliações positivas a respeito destas cartinhas. Não era a tal "facilidade" para o idioma: eram 12 anos ouvindo meu pai lendo trechos do P. G. Woodehouse em voz alta, era muito rock em alto volume, era o videogame dos meus irmãos com instruções em inglês, era todo um ambiente de língua enrolada em casa. Como não achar natural?
E foram muito mais do que 12 anos ouvindo muito rock internacional e música norte-americana, muitos filmes grrrrringous em VHS, vários livros neste idioma. E diversas expressões em inglês: "djísâs crrrráist", "mái god", "let's muuuuv".
(Foi bom reconhecer, há poucas semanas, em uma ação poético-artística de Rafa Éis – cuja proposta era, durante um passeio pela UERJ, lembrar algo valioso que se havia aprendido na infância –, que graças a meu pai aprendi um idioma que me ajudou muito durante a vida, e que até me sustentou por bastante tempo. Foi bem importante reconhecer isso.)
O primeiro livro que li em inglês, as aulas de inglês da escola (pública), que eu amava... A correção "Ella FitzGUérald" – "Não: Ella FitzDJérald"! O riso quando falei Portixed, e não Portisrréd.
Em 2018 me vejo assistindo a um filme latino-americano por noite; me vejo procurando o livro do Ernesto Sábato para reler (acho que perdi!), me vejo assistindo vídeos de músicos paraguaios, me vejo com saudades de Montevideo. E aí, vivendo todo este novo ambiente, foi inevitável perceber o quanto sempre fui extremamente norte-americanizada/inglesada. Porque o que leio/ouço/assisto da cultura hermana hoje em dia ainda não chega nem a 1%, diria, de tudo o que já consumi em inglês.
Apesar da América Latina e seu idioma sempre terem parecido marginais e especiais, ambos (língua e continente) nunca haviam recebido minha atenção. É, muito legal, mas queria tanto conhecer Chicago e sua música! É, muito legal, mas deixa eu ver o quinquagésimo filme em inglês aqui. Deixa eu ver o Daily Show, um (ótimo) programa que assisto quase todo dia no YouTube e que faz com que eu acabe sabendo mais da política de lá do que a de meu país.
Nunca vi com tanta força a influência que a cultura norte-americana sempre teve em minha vida, nunca observei isso tão bem quanto agora. É algo tão natural (um brasileiro consumir pesadamente a cultura norte-americana) que demorei para entender que nesse processo a cultura brazuca ficou um pouco para trás. E a latino-americana, então, nem se fala. (Aliás, por que a relação com os hermanos argentinos é de rivalidade/comparação?)
Ter tido acesso a tantas culturas e literaturas diferentes -- trabalhando em um sebo, viajando, fazendo faculdade, tendo acesso à internet desde 1996 -- não me impediu de ser bastante norte-americanizada. Aliás, ter acesso à internet mais incentivou isso do que o contrário, diria eu. Em 2006, quando comecei a cantar em um grupo vocal, me liguei bastante em música brasileira, e isso ajudou muito em minha descolonização. Mas ainda há muito a observar e principalmente muito a absorver de outras culturas. O mundo é gigantesco e não cabe em um só país, ou dois.
Continuo querendo conhecer Chicago e sua música; continuo lendo os livros de Jon Ronson e Andrew Solomon. São ótimos e me ajudam a viver melhor – como tantas outras coisas feitas/existentes no idioma inglês. Mas foi ótimo começar a equilibrar todo esse grande conjunto de coisas que carrego comigo há muito tempo com outras coisas e culturas – culturas essas tão ricas, tão próximas, tão irmãs. E que também me ajudam a viver muito, muito melhor.
As culturas fora do eixo Europa/EUA geralmente me levam a uma grande identificação. "Todos os longes se parecem" -- e o que não for Europa/EUA é "longe". Todas estas têm um quê de Brasil: árabes e brasileiros se identificam; indianos e brasileiros creio que se identifiquem também; africanos e brasileiros se identificam muito. Talvez até o Oriente se identifique muito com o Brasil (musicalmente, sei que sim). Acho que é nossa “marginalidade”, no sentido de sempre sermos “o outro”, que nos une. (Bem louco isso do “resto” do mundo todo ser “o outro” em relação à Europa e aos EUA...)
Mas falando dos países latinos, especificamente, vejo que estes estão sendo, para mim, como uma grande novidade empolgante (e penso que talvez o sejam para qualquer brasileiro que esteja disposto a conhecer, com o coração aberto, o que há na América Latina). É interessante observar nossa proximidade geográfica e a ironia da distância que ainda nos separa. Mas o bacana é que, mesmo havendo tantas semelhanças entre nós, sempre teremos muito a descobrir uns com os outros, infinitamente.

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