segunda-feira, 17 de abril de 2017

Outro idioma

No dia 12 de abril de 2016, ao ouvir a campainha tocando, pensei: “ferrou!”. Deu nervoso, mas fui atender a porta, pois não tinha mais saída. Era me assumir ou me assumir.
Muito frisson por nada, diria o Bardo, mas aquela seria a primeira vez que eu mostraria a alguém minhas músicas. Quem chegava era o Pedro, guitarrista que vinha ensaiar comigo. Havíamos combinado aquele ensaio-conversa três semanas antes, na inauguração do estúdio de um amigo.
Embora pareça besteira, aquele dia foi, sim, muito significativo para mim. Aliás, entendi há pouco tempo que as coisas mais importantes para nós, nossas maiores conquistas, podem parecer completas besteiras para terceiros. Mas desde 2007 eu não compunha praticamente nada, não criava sozinha (viciada que estava em compor em cima de harmonias que o guitarrista de minha antiga banda fazia – depois de extinta a banda, tornei-me intérprete). Apenas em 2015 voltei a criar. E creio que todos saibam como é difícil mostrar algo para outra pessoa pela primeira vez. Uma poesia, uma coreografia, uma decoração, até mesmo uma ideia: é estranho sair daquele âmbito onde só você, até então, avaliava algo. Sentimo-nos um pouco estranhos, nus. Essa solidão de criar algo só seu e saber que ninguém nunca fez nada exatamente igual àquilo pode dar bastante insegurança. E a crença (irreal) de que algo que fizemos talvez não se comunique com ninguém também não é nada reconfortante.
Exatamente por isso a sensação que veio depois dessa primeira exibição foi muito boa. Se agora estava me sentindo ainda mais vulnerável, por não estar respaldada pelas composições de terceiros, ao mesmo tempo percebi que estava muito mais livre. Não apenas por estar quebrando uma barreira, um bloqueio de me mostrar como autora das músicas que cantava, mas também por perceber que estava sendo prazeroso fazer aquilo. Mesmo mostrando as canções timidamente para Pedro, eu estava lá, tocando o violão e cantando, e até gostando delas. 
Desde lá fomos ensaiando uma ou duas vezes por semana, e os dias de ensaio foram se tornando os dias mais interessantes da semana. Porque aquele era o momento em que eu estava fazendo aquilo que eu precisava fazer. Sem enrolar, sem ficar procurando obrigações apenas para fugir do que me dava medo e era essencial enfrentar. 
(Aliás, sobre enrolar e não ir direto ao ponto, sempre lembro dos versos de Karina Buhr em "Guitarristas de Copacabana": "Por falta de consciência tranquila / Passou o dia cozinhando arroz na panela / Que pressão! / E agora estragou os versos / E ainda explodiu o fogão" – provavelmente Karina estava falando sobre outra coisa, mas fato é que sempre uso estes versos para me lembrar do quanto ficamos fazendo tarefas banais para não enfrentar nossas obrigações mais difíceis.)
Dei o nome deste projeto de Outra língua. Nome do show, do possível CD, deste blog, também do possível livro. Porque agora me sinto falando outro idioma, um pouco mais difícil, ficando naquela situação típica de quem ainda se sente inseguro em uma língua estrangeira: muita vulnerabilidade, mas também uma baita satisfação por estar superando a vergonha e fazendo algo difícil. 

E por isso resolvi fazer um outro blog, ao invés de continuar atualizando o antigo. Aquele, iniciado, em 2013, é um blog que eu associo muito ao universo de uma intérprete. Este aqui terá a mesma essência – falar sobre música através de minhas experiências –, mas acolherá também questões ligadas à criação e seus desafios. Ou, ao menos, essa é a ideia inicial.

2 comentários:

  1. Que conexão a nossa! Tô boba. Feliz pelo teu momento, Guidinha!!!

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    1. "Coincidências": ontem acordei lendo seu livro. Hoje também!

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