terça-feira, 20 de junho de 2017

Outro teste

Há uma semana fui participar de um teste para um musical. Ao chegar lá, quase voltei: vi que era a mesma equipe de um teste traumático que eu fizera em 2014, para o qual havia esperado cerca de cinco horas apenas para ser ouvida (ou quase ouvida: um dos membros da banca dormiu, o que entendo perfeitamente – se eu estava cansada, ele estava ainda mais, tendo que avaliar tantas pessoas há tantas horas –, mas sem dúvidas isso deixou a conjuntura ainda pior). Pois é, sou tão bissexta* nesse lance de teste que não me ligo no nome das produtoras e das equipes, então dei o mole de ir num teste organizado pela mesma equipe que havia deixado a mim e a várias outras pessoas esperando por cinco horas.
              (*Digo que sou bissexta porque só devo ter feito uns quatro testes para musical na vida.)
Me saí pessimamente mal no teste. Cantei uma linda música, mas havia ensaiado pouco (a tal da falta de tempo que, quando a gente quer mesmo, a gente dribla) e, é claro, exatamente por não estar preparada, fiquei nervosa. Mas antes mesmo de entrar na sala para cantar – dessa vez a espera foi de duas horas – eu já estava pensando no quanto aquele ali não era um ambiente no qual eu me sentia bem. Não digo isso pelas pessoas (até fiz uma amizade lá), mas pela inevitável atmosfera de competição. Não dá para ignorar o fato de que apenas alguns entrarão e muitos ficarão de fora. Mas não fui embora por saber que, se o fizesse, eu ficaria muito decepcionada comigo mesma por não ter nem tentado. [obs.: teria sido muito melhor ter ido embora.]  
Na espera para o teste, naquele ambiente apinhado de atores e cheio de tensão, lembrei muito de um papo que tive com uma amiga compositora, há alguns meses. Estávamos conversando sobre nossos trabalhos e falamos sobre a questão dos festivais competitivos. Ela me disse que não gostava e não queria, de jeito nenhum, participar de festivais. Não gostava da tal atmosfera de comparações e não gostava da forma como os participantes acabavam se portando (infelizmente embarcando em um clima de disputa). Essa compositora consegue manter seu trabalho de forma autossustentável, pois alia suas metas à sua realidade financeira. Mas ver, frequentemente, vários amigos próximos ganhando grana em festivais não fez com que ela se convencesse de que o mundo festivaleiro fosse uma boa. Lembrei muito dela durante a espera para aquele teste. Pensei por que diabos eu estava desrespeitando minha ideologia ao participar de algo que eu não concordava (e não tinha nem a desculpa de estar fazendo isso pela primeira vez, só para saber como era).
Fui tão mal no teste de canto que não fiquei para fazer a cena de dança ou de interpretação. (Aliás, mais uma crítica: embora geralmente estivessem avisando, como testemunhei, a cada ator se o mesmo estava liberado ou não, a mim não disseram nada quando saí da sala. Fiquei esperando uns quinze minutos ali, bem na frente dos assistentes, e nem tchuns. Quando finalmente perguntei – a gente evita perguntar para não ficar enchendo o saco, né? – a resposta foi que sim, eu já estava liberada. Se eu não perguntasse, quanto tempo teria ficado até que alguém se lembrasse de me dar uma avisadinha básica?) Fiquei estranhamente feliz por ir embora mais cedo do que esperava, sentindo-me aliviada por sair dali, e com mais material para me pensar como artista. Voltei para casa elucubrando sobre o quanto havia sido desnecessário me dispor a ir, voluntariamente, a um ambiente onde fico tão estressada que acabo cantando mal uma canção relativamente fácil de cantar.  
Mas acontece que sou uma amante das artes cênicas, e procuro sempre estar colocando esse meu lado teatral em ação. Os testes, apesar de péssimos, podem proporcionar essa vivência incrível no teatro sem que se precise fazer parte de uma companhia (algo muito bacana, porém companhias implicam um longo e sério compromisso, difícil para quem já se dedica a outra área artística – há quem consiga, eu ainda não). Eu desejei passar para cada um dos quatro testes que fiz na vida. E certamente essa peça será uma experiência linda para os atores e músicos que fizerem parte do elenco. E espero algum dia ainda fazer um espetáculo musical, mas consegui ver que, para que isso aconteça, o processo tem que acontecer de outro jeito. Talvez em produções menores, menos comerciais... Senão – novamente – pisarei nas minhas ideologias e crenças: se sou tão contra a competição, que faço eu em um ambiente onde a tônica é claramente ver “quem são os melhores”?
(Fiz ano passado um teste para outro musical – na verdade foi o único teste no qual eu acho que de fato me saí bem cantando – e ali todo o processo foi bonito e generoso. Em nenhum momento me senti desconfortável, e diria que nem havia clima para que nenhum dos participantes se sentisse assim. Espero que essa produtora continue fazendo muitos espetáculos e que algum dia eu faça parte de alguma montagem, pois ali, sim, não me desrespeitei nem um pouco – apenas cresci com a experiência. Talvez seja possível um ambiente de avaliação saudável, no fim das contas...)
               Finalizando, lembrei do musical Quando toca o coração, da amiga Virginia Maria, que vi no final de 2014. Fiquei muito feliz por ela, que fez uma campanha de arrecadamento coletivo e colocou um objetivo em prática, sem ficar esperando que algum dia alguém lhe desse uma “chance” para fazer o que queria. Ver sua peça me inspirou desde o primeiro dia, mas depois desse meu teste a admirei ainda mais, por ter criado para si a oportunidade de cantar e atuar. Quem sabe não é essa a solução?

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