segunda-feira, 5 de junho de 2017

As viagens, os outros


Passei a limpo hoje um diário de viagens. Desde fevereiro eu estava com estas anotações pendentes, e finalmente passei tudo para um caderninho mais adequado. Acabei relembrando muito do que vi e senti naquelas duas semanas de viagem.
Aí, recordando de tanta coisa, pensei no quanto viajar é bom. Mas, principalmente, lembrei algo que compreendi há não muito tempo: viajar não tem nada a ver com vangloriar-se, mas sim com ter noção do quão pequeno se é.
Em 2015, quando conheci a Alemanha, vi isso claramente. Não falo alemão, e desde o primeiro momento em que o motorista do ônibus do aeroporto se deu ao trabalho de falar em inglês comigo, entendi que enquanto eu ficasse naquele país eu estaria simplesmente contando com a boa vontade das pessoas. E um ano depois, em outra ocasião, percebi que em outros países geralmente não levamos conosco toda aquela legitimidade que o próprio país, a própria cidade, nos dão. Os amigos e a família não estão presentes, não podem atestar quem somos (e a gente quer esse atestado sempre que possível – vai que alguém duvida de nossa bondade e ótimo caráter?). Viajar é um pouco zerar todas as informações importantíssimas – leia-se: inúteis – sobre nós. Então fora de minha zona de conforto eu sou quase isso: um zero ambulante. 
Entendi, com o tempo, que viajar para outro país não te faz melhor que ninguém. Ironicamente, às vezes pode te fazer um pouco pior, se você usar estas experiências para diminuir outras pessoas.
Embora a situação tenha melhorado e muitos brasileiros tenham conseguido ir para o exterior pela primeira vez nos últimos anos (até quando isso vai durar? Porque está difícil, para alguns, dividir avião com gente pobre... Ai, Danuza Leão, vai ser difícil esquecer a patacoada que você falou! Ai, golpistas, eu sei que dói e que vocês vão fazer de tudo para que os anos 90 voltem com toda a força...), falar sobre viagens – nacionais e internacionais – ainda é algo que pode causar desconforto, por parecer arrogância. Eu me sinto estranha ao falar disso, mas vejo o quanto é importante. Todos deveriam ter o direito de viver essas experiências e de falar sobre elas. 
Lembrei, também, do quanto aprendemos em viagens, e do quanto ficamos bem mais atentos a novas percepções. As ideias não escapam tanto, acho... Parece que se fixam mais, parece que nossos sentidos estão mais “acesos”, conectados. Será por estarmos mais embevecidos, felizes? Daí esse encanto deixa tudo mais fácil...? Talvez.
Certamente foi por embevecimento que, em 2015, escrevi uma canção, “Portobello Road”, para a rua homônima. Andando por essa região de Londres, a música “Nine out of ten”, de Caetano, não saía de minha cabeça. Quando vi o Electric Cinema, então, o volume da canção aumentou ainda mais. Chegando ao Brasil, vi meu diário de viagem e as anotações que eu havia feito sobre Londres e seus personagens. Gostei de citar Gil (“Back in Bahia”) e Caê em uma só canção, e poder misturar tudo isso à felicidade que senti por estar em um país que eu sonhava conhecer desde os 12 anos – Oasis, Blur e várias outras bandas britânicas haviam despertado em mim esse fascínio pela Inglaterra.
Ainda não cantei em outros países com meu trabalho solo, na verdade ainda mal saí do Rio com ele. Mas quero muito, pois viajar e cantar é a união perfeita de duas coisas que adoro. Na verdade, ultimamente tenho me sentido mais animada a viajar se for para cantar – embora dê bem mais trabalho.
Falando nisso, no livro Teatro Oficina: onde a arte não dormia, Ítala Nandi conta sobre a viagem que o grupo Oficina fez a Paris, em 1968, para uma temporada de O rei da vela – às próprias custas. Adoro o trecho em que Ítala fala: “(...) aquela viagem estava nos custando todas as economias. Estávamos seguindo a teoria de Zé Celso – ‘é preciso arriscar’ –, que nós todos assinávamos embaixo. Viajar era sagrado, e não é a toda hora que acontece uma chance dessas.” Adorei tudo nesse depoimento: o risco, o sagrado e a oportunidade. Aliás, o livro todo é inspirador e recomendo muito [obs.: eles estavam em Paris em maio de 68!].
Ao mesmo tempo, penso que não podemos, de jeito nenhum, ceder a qualquer tipo de pressão. Se não gostamos de viajar, que não viajemos. Diversão não pode ser protocolar, nunca. (E ninguém deveria estranhar quem não curte pegar a estrada – é uma mera questão de gosto.)
Aliás, Paulo Leminski e Fernando Pessoa são grandes exemplos de pessoas incríveis que se deslocaram relativamente pouco. Será que eles precisavam viajar? Para criar, certamente que não, e suas obras atestam isso muito bem. Pessoa, inclusive, abordou o assunto “viagem” como poucos escritores o fizeram, não tendo saído muito, durante a vida adulta, de sua querida Lisboa.
Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir. Sentir tudo de todas as maneiras.” (Pessoa/Álvaro de Campos)


P.S.: London, London... Como é irônico mencionar, agora, a paz que você me trouxe há menos de dois anos.

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