Passei
a limpo hoje um diário de viagens. Desde fevereiro eu estava com
estas anotações pendentes, e finalmente passei tudo para um
caderninho mais adequado. Acabei relembrando muito do que vi e senti
naquelas duas semanas de viagem.
Aí,
recordando de tanta coisa, pensei no quanto viajar é bom. Mas,
principalmente, lembrei algo que compreendi há não muito tempo:
viajar não tem nada a ver com vangloriar-se, mas sim com ter noção
do quão pequeno se é.
Em
2015, quando conheci a Alemanha, vi isso claramente. Não falo
alemão, e desde o primeiro momento em que o motorista do ônibus do
aeroporto se deu ao trabalho de falar em inglês comigo, entendi que
enquanto eu ficasse naquele país eu estaria simplesmente contando
com a boa vontade das pessoas. E um ano depois, em outra ocasião,
percebi que em outros países geralmente não levamos conosco toda
aquela legitimidade que o próprio país, a própria cidade, nos dão.
Os amigos e a família não estão presentes, não podem atestar quem
somos (e a gente quer esse atestado sempre que possível – vai que
alguém duvida de nossa bondade e ótimo caráter?). Viajar é
um pouco zerar todas as informações importantíssimas – leia-se:
inúteis – sobre nós. Então fora de minha zona de conforto eu sou
quase isso: um zero ambulante.
Entendi,
com o tempo, que viajar para outro país não te faz melhor que
ninguém. Ironicamente, às vezes pode te fazer um pouco pior, se
você usar estas experiências para diminuir outras pessoas.
Embora
a situação tenha melhorado e muitos brasileiros tenham conseguido
ir para o exterior pela primeira vez nos últimos anos (até quando
isso vai durar? Porque está difícil, para alguns, dividir avião com gente pobre... Ai, Danuza Leão, vai ser difícil esquecer a patacoada que
você falou! Ai, golpistas, eu sei que dói e que vocês vão fazer
de tudo para que os anos 90 voltem com toda a força...), falar sobre
viagens – nacionais e internacionais – ainda é algo que pode
causar desconforto, por parecer arrogância. Eu me sinto estranha ao
falar disso, mas vejo o quanto é importante. Todos deveriam ter o
direito de viver essas experiências e de falar sobre elas.
Lembrei,
também, do quanto aprendemos em viagens, e do quanto ficamos bem
mais atentos a novas percepções. As ideias não escapam tanto,
acho... Parece que se fixam mais, parece que nossos sentidos estão
mais “acesos”, conectados. Será por estarmos mais embevecidos,
felizes? Daí esse encanto deixa tudo mais fácil...? Talvez.
Certamente foi
por embevecimento que, em 2015, escrevi uma canção, “Portobello
Road”, para a rua homônima. Andando por essa região de Londres, a
música “Nine out of ten”, de Caetano, não saía de minha
cabeça. Quando vi o Electric Cinema, então, o volume da canção
aumentou ainda mais. Chegando ao Brasil, vi meu diário de viagem e
as anotações que eu havia feito sobre Londres e seus personagens. Gostei
de citar Gil (“Back in Bahia”) e Caê em uma só canção, e poder misturar tudo isso à felicidade que senti por estar em um país que
eu sonhava conhecer desde os 12 anos – Oasis, Blur e várias outras
bandas britânicas haviam despertado em mim esse fascínio pela Inglaterra.
Ainda
não cantei em outros países com meu trabalho solo, na verdade ainda
mal saí do Rio com ele. Mas quero muito, pois viajar e cantar é a
união perfeita de duas coisas que adoro. Na verdade, ultimamente
tenho me sentido mais animada a viajar se for para cantar – embora
dê bem mais trabalho.
Falando
nisso, no livro Teatro Oficina: onde a arte não dormia, Ítala Nandi
conta sobre a viagem que o grupo Oficina fez a Paris, em 1968, para
uma temporada de O rei da vela – às próprias custas. Adoro o
trecho em que Ítala fala: “(...) aquela viagem estava nos custando
todas as economias. Estávamos seguindo a teoria de Zé Celso – ‘é
preciso arriscar’ –, que nós todos assinávamos embaixo. Viajar
era sagrado, e não é a toda hora que acontece uma chance dessas.”
Adorei tudo nesse depoimento: o risco, o sagrado e a oportunidade. Aliás, o livro todo
é inspirador e recomendo muito [obs.: eles estavam em Paris em maio
de 68!].
Ao
mesmo tempo, penso que não podemos, de jeito nenhum, ceder a
qualquer tipo de pressão. Se não gostamos de viajar, que não
viajemos. Diversão não pode ser protocolar, nunca. (E ninguém
deveria estranhar quem não curte pegar a estrada – é uma mera questão de gosto.)
Aliás,
Paulo Leminski e Fernando Pessoa são grandes exemplos de pessoas
incríveis que se deslocaram relativamente pouco. Será que eles
precisavam viajar? Para criar, certamente que não, e suas obras
atestam isso muito bem. Pessoa, inclusive, abordou o assunto “viagem”
como poucos escritores o fizeram, não tendo saído muito, durante a vida
adulta, de sua querida Lisboa.
“Afinal,
a melhor maneira de viajar é sentir. Sentir tudo de todas as
maneiras.” (Pessoa/Álvaro de Campos)
P.S.:
London, London... Como é irônico mencionar, agora, a paz que você
me trouxe há menos de dois anos.
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