quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Outra hora (agora, não)

Já reparou que nunca é a hora? Que nunca é o momento de mostrar a cara? Nunca é o mês certo. Nem o ano certo. Ainda falta, você ainda é verde, falta experiência, sempre faltará.
É uma fase da vida que ainda (=nunca) chegará. Magicamente, algum dia você vai sentir que finalmente está pronto para fazer o que deve fazer. 
                É algo que também no dia a dia fica evidente, repare: nunca é a hora de parar e pegar o violão. Nunca é a hora de parar para escrever. Nunca é a hora de dar o primeiro passo em relação àquele projeto que você tanto quer tirar do papel. Nunca é a hora de se dedicar ao que você mais gosta. Nunca há um tempo prontinho, ali, reservadinho, adequado, para você fazer o que deve fazer. Nunca. Para todas as outras coisas você acha um tempo qualquer, espreme ali na agenda, inventa uma horinha para passar no banco, se vira para dar uma aula ou até visitar o amigo, mas nunca, nunca, vai ter tempo de fazer aquilo que você precisa fazer.
Mesmo que o seu coração aperte toda vez que você vir seus colegas e companheiros seguindo suas vocações e fazendo o que amam – e você ali, entendendo perfeitamente que aquele é o aperto de quem foge do que deveria estar fazendo –, se convença sempre de que não é a hora, ainda, e aí você pode seguir fazendo tudo o que mais odeia e permanecer boicotando seus talentos, sua vocação, sua vontade mais verdadeira e bonita. Aquele trabalho que, na verdade, talvez nem seja tão difícil assim de realizar, visto que você faria com amor, alegria e entusiasmo, mesmo que te cansasse, te exaurisse, mesmo que doesse e te fizesse chorar, seria bem mais agradável do que aquilo que você faz hoje (afinal, você choraria por algo que valeria a pena). Seria muito mais empolgante e preencheria muito mais sua vida do que aquela função que você cumpre e odeia com todas as suas forças, quase num masoquismo, escolhendo a coisa que menos tem a ver com você, com o tipo de pessoa que você é, com o que acredita. Você se trai a cada dia, cada vez mais, e tudo bem. Porque por fora você parece estar fazendo a coisa certa – não está agindo como um louco, aquele louco que só faz o que quer, sabe? Aquele ali, que paga os mais altos preços por se respeitar, e, aliás, leva uma vida interessantíssima – sejamos honestos. 
              (e o grito interno vem: quero viver assim também! A vida deveria ser isso, e não o contrário.)
  Todos serão da opinião de que você é prudente (por fazer algo prático, racional; e por esperar o dia de São Nunca chegar). Aliás, percebi algo: acho que quem larga um sonho sempre será aplaudido, ou quase sempre. “Deixou para lá essa história de seguir o que ama e virou adulto” ou “Parou de ficar andando para cima e para baixo com aquela guitarra e começou a ganhar dinheiro” (essa última fala aí eu testemunhei). E quem poderá ser responsabilizado pela depressão resultante dessa desistência, hein? Ninguém. Só o desistente, mesmo (você). Porque o mundo inteiro pode incentivá-lo a se desrespeitar, mas só uma pessoa pode levar isso a cabo (você).
Mas antes de quaisquer outros influenciando, a questão é o próprio eu, que se nega a admitir vontades vistas como excêntricas ou engraçadas. Que morre de vergonha de admitir que o maior sonho é ser bailarino. Que desde criança quis trabalhar com games e tecnologia. Que vive sonhando em ser professor de biodanza. Esses sonhos, vão dizer, não têm nada a ver contigo, não se parecem com você. Mas parecem, sim, e sempre pareceram, e você sabe disso. E só você pode se cobrar em relação a este segredo bem guardado.
E o pior é que de fato há momentos em que realmente devemos esperar um pouco, ou até mesmo muito. Então, uma vez passando por essa experiência bem sucedida do esperar, a gente pode usar sempre a desculpa de que esse procedimento já funcionou, que faz sentido esperar o momento certo, que não estamos com medo e que é preciso mesmo dar tempo ao tempo.
Não se trata de covardia, ora: observe que mesmo aquela pessoa lá, aquela na qual você confia demais e que sempre te ajuda, sabe?, enfatiza que você deve esperar. Então, mesmo que você – e mais ninguém – saiba, tenha certeza de que poderia e deveria estar fazendo algo, pode-se usar este artifício: aquele ali, mais experiente, disse que ainda não era a hora. Mesmo que ele não te conheça tão bem assim, use-o como justificativa.
O fato é que seu corpo inteiro teme fazer o que é preciso fazer. Você tem pavor de fazer algo e dar merda (e vai dar, com certeza, pois agir é favorecer o surgimento de problemas, mesmo). Então fique quieto, que aí não vai dar merda nunca.
Você nunca estará pronto para fazer o que deve fazer. Mesmo que esteja pronto para fazer milhares de outras coisas desagradáveis e estranhas, cansativas, contrárias à sua filosofia de vida. Mas fazer o que você ama? Não. Espere. Você nunca estará maduro o suficiente para enfrentar a única coisa que de fato vale a pena.

Um comentário:

  1. Eu amei o seu texto, MESMO. Deixei um vídeo lá no face, porque ando pensando muito nessas coisas ultimamente (desde que me tornei uma secretária executiva - like seriously???) Claro que cada um tem uma história que o trouxe até o presente, mas algumas coisas são universais, como o fato de que o que fazemos com o nosso tempo ainda é uma escolha. Você é um exemplo para mim de coo o trabalho e a dedicação àquilo que verdadeiramente te motiva pode sim gerar bons frutos!

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