Quais
são as regras que inventamos em relação ao dinheiro? Quais são as armadilhas
na quais caímos quando este é o assunto (dentro do campo artístico)?
Hoje
em dia é bem mais fácil fazermos bons vídeos e clipes (com nosso celular razoável
ou com uma câmera emprestada – pois muito mais amigos têm boas filmadoras, por
exemplo); é bem mais fácil termos boas fotos para divulgação; é bem mais fácil conseguirmos
gravar nossas faixas em casa com uma boa placa de som. E, com isso, o olhar em
relação ao artista ficou ainda mais exigente. Todo mundo tem que mandar muito bem. E não estou falando sobre a criação
artística, mas sobre a parte estética. Se você não tiver vídeos muito maneiros,
de ótima qualidade, não contratar maquiador e figurinista para seu clipe, não
conseguir encomendar uma arte maneiríssima para a capa e encarte do seu CD, talvez
você seja visto como um artista meia bomba, desleixado até. Daí fica a
pergunta: para ser artista tem que ter grana? Ou: quem tem pouco dinheiro deve
se abster de apresentar sua arte enquanto ela não estiver impecável visualmente?
Acho
importante não cairmos nesse erro. Se atualmente a situação é mais favorável
para o artista independente e bons equipamentos estão mais acessíveis, ótimo. Que
bom que podemos aproveitar muito mais essas oportunidades. Mas não dá para ter
um padrão estético totalmente higienizado e elitizado e achar que quem não
puder fazer assim “não está levando o próprio trabalho a sério”. Sejamos
francos: o que é mais importante, a criação ou o compartilhamento dessa
criação?
Acho
bem equivocado usar a grana como medida de todas as coisas. Por isso penso ser
importante que a gente faça, sim, a nossa arte da forma mais simples, se essa for
a forma possível (diria até que às vezes essa acaba sendo a forma mais
interessante). Ruim mesmo é não fazer; e sempre insistirei nisso. Ruim é adiar
eternamente a gravação daquele disco porque, né, você quer fazer “com qualidade”.
Trata-se de uma qualidade que pede uma grana que você não tem e nem tem
perspectiva de ter? Então melhor pensar em outra estratégia, porque pelo visto você
quer e precisa dividir sua criação,
mesmo que não seja daquela forma ideal (irreal).
(Pode
ser que os seus planos grandiosos estejam, pelo contrário, te estimulando, te
deixando cada dia mais motivado, e exatamente graças a essa minúcia e detalhismo
você tenha cada vez mais certeza de que os irá realizar, em seu próprio tempo.
Acho ótimo quando um plano vem para nos ajudar, e não para boicotar e
adiar infinitamente a concretização de algo.)
O
simples, é claro, talvez seja lido como desleixo. Mas, pense: é bom que seja
lido assim. Digo, será que você, artista, precisa ceder à opinião de alguém? Acaba
sendo uma boa prova de fogo. Se você gostou de verdade do que fez, mostre logo ao
mundo – da melhor forma possível, é claro –, mesmo que preferisse que a faixa estivesse melhor gravada, arranjada etc.
Não
sou a favor de fazer de qualquer jeito, e nem de fazer assim só para depois
ficar frustrado e se criticando. Pelo contrário, estou exatamente escrevendo
aqui um texto antifrustração (hahaha!), e por isso penso que não podemos ceder a um tipo
de pressão elitista e excludente, que rola a torto e a direito por aí, e que freia
nossos impulsos criativos sempre que possível.
Uma
boa forma de furar este esquema é parar de usá-lo como padrão, esquecer de sua
existência e sair fazendo do jeito que você pode. Sou a favor do capricho, sim, e concordo com a frase “tudo o que
pode ser feito, pode ser bem feito”, mas se estivermos falando de um bem feito
que depende de muita grana, aí discordo bastante.
E
penso que a criatividade pode ir a nosso favor. Usar a falta de verba como
justificativa pode ser convincente para qualquer um à nossa volta, mas não vai
nos ajudar em nada. Vale mais tentar driblar pela criatividade. Não estou aqui
fazendo discurso de coach, tipo, “se você quiser mesmo, vai lá, dá um jeito e
faz” – até concordo com essa fala, de forma geral, mas cada caso é um caso, e
se a gente não tiver nem o dinheiro da passagem, ou o da comida, esse tipo de
pensamento é só meritocrático, mesmo. Acho bem melhor quando a gente consegue burlar
esse sistema para poucos; seja fazendo parcerias e escambos, seja sendo o mais
autônomo possível para colocar essas ideias em prática (cada um funciona de um
jeito). Mas penso que não vale pegar um empréstimo e ficar tenso meses a fio,
por exemplo, graças a um senso comum que alardeia que só através do dinheiro é
possível realizar os próprios objetivos.
O
que eu tenho observado na minha vida e na vida de muitas pessoas que estão à
minha volta é que existe um jeito de fazer a própria arte sem ter grana, ou com
bem pouca grana. Dá-se um jeito. E aí, olha que beleza, fura-se esse pensamento,
ou melhor, fissura-se o capitalismo, como diria John Holloway. Deixemos os
luxos para quem acha isso importante. (E se você acha, vá em frente, mas tente
não julgar o colega adepto do do it
yourself.)
Lembrei
da ocasião em que fui fazer uma sessão de fotos com um ótimo fotógrafo:
paguei a ele um dinheiro que eu não podia gastar, mas gastei. Adorei o
resultado -- são as minhas fotos mais bacanas --, mas paguei o preço da vaidade. Eu não
precisava daquelas fotos. Felizmente hoje entendo que isso não é imprescindível:
dá para ser artista sem ter uma foto maneira. Dá para ser artista até sem uma
foto sequer (ninguém confisca sua carteirinha se você não tiver nem uma 3x4).
Então não tem essa. Se quiser e puder, tire fotos com um profissional que você sabe
que vai te entregar um ótimo resultado depois, mas, se não é o caso, tire você mesmo
ou peça para algum amigo e veja se sai alguma coisa aproveitável. Você não
estará sendo um desleixado, você simplesmente estará dando o seu jeito. Isso
não é sacanagem com o seu público, nem com os fotógrafos profissionais. Isso é
se adaptar à sua realidade.
Acho
engraçada essa balela sobre a imagem do artista, porque se a grana pode ajudar a criar bons
cenários para o show, bons figurinos e bons videoclipes, na parte criativa, felizmente,
o dinheiro não apita em nada. Se você não está se sentindo inventivo, se você
não está conseguindo escrever, se você está se sentindo bloqueado, não é a
grana que vai resolver. A parte mais importante do processo é imune às cédulas. Está se sentindo mais relaxado para compor porque não precisa se
preocupar com as contas? Ótimo! E faz todo o sentido. Mas vai precisar usar o
esforço de sempre para ligar os pontos, estruturar as frases da forma mais
adequada ao que você quer dizer etc. Felizmente o dinheiro não compra esse esforço
tão gostoso e recompensador.
E
na verdade eu acho, também, esse papo muito antigo. Quando a gente tenta
incutir essa ideia em alguém ou em nós mesmos (de que o artista tem que estar
sempre irretocável), estamos só repetindo um discurso que a
gente ouve desde que nasceu, ou desde que começou a prestar atenção nesse
assunto. É um chavão danado, e a gente está em uma época onde o questionamento
dos chavões está a todo vapor. Vamos aproveitar.
(E
que a grana só esteja aí para ajudar a erguer coisas belas.)