1) Certa vez
estava comentando com uma amiga sobre rap, e dividi com ela, distraidamente,
que não gostava muito deste tipo de som, e que quase não escutava nada desse
gênero. Estávamos em um festival no qual haveria o show de uma rapper na
abertura, por isso o tópico. Ela, por sua vez, me disse que gostava bastante de
rap, por diversas razões (a vivência que teve com pessoas que ouviam muito esse
estilo, as letras etc.). Que eu me lembre, assim que falei minhas impressões
sobre o rap já achei meu comentário ligeiramente desnecessário, talvez por ser
algo que eu mal sabia explicar, e por não ser um comentário muito construtivo.
Daí, e talvez por isso, fui ver o show com o coração mais aberto – e adorei o
show de Dory de Oliveira, que me prendeu do início ao fim. Essa conversa e esse
show ficaram marcados.
2)
Outro dia estava discutindo o arranjo de uma música com o parceiro Pedro Costa.
Falando sobre sonoridades, mencionei que o baixo daquela gravação estava me
lembrando a sonoridade da Rihanna (de quem só conheço duas músicas), e,
tentando explicar que não curtia muito aquele estilo, comecei a me embananar:
“Eu não curto muito o estilo, apesar de achar legal essa música. Quer dizer,
nem curto tanto assim essa música, específica, mas até que o estilo é legal,
né? Mas eu não queria que soasse assim...”. Não sabia dizer por que não
gostava, e percebi que não era importante explicar. Teria sido mais fácil falar
que queria outra sonoridade, simplesmente, ao invés de usar a música popzona
como contraponto. Acho que já não está mais dando tanto pé colocar
diferentes estilos musicais como antagonistas (talvez). E com certeza eu já sou
outra pessoa, não mais aquela que precisa ser “contra” certo gênero musical.
Até porque poderia ter sido colocado na minha música um elemento que lembrasse
o som da Rihanna e eu gostasse. Apenas não foi o caso.
Aliás,
notei que ultimamente poucas músicas têm me irritado ou tirado do sério. Há
alguns anos, na verdade, tenho me sentido assim. Creio que isso tenha a ver com
a possibilidade que temos, atualmente, de só ouvirmos as músicas que
escolhemos. Não precisamos ficar entediados zapeando a TV, ouvindo um monte de
coisa indesejada em programas de auditórios, certo? Eu, ao menos, não pratico
mais este tipo de masoquismo, e acho que tem me ajudado a valorizar mais a
música que não adoro, mas respeito.
Lembro
que na adolescência – essa época dá pano para manga, em quase todos os meus
textos ela aparece – fui, com uma colega, a um evento onde o DJ da casa só
tocaria pagode. Eu fui sabendo que a festa era de
pagode, e, principalmente, fui mesmo sabendo que eu não curtia
pagode (só gostava de umas poucas do Raça Negra, mas mesmo assim não
sairia para dançar ao som delas). A pergunta é: que diabos eu fui fazer lá? E
este é só um exemplo entre vários, pois passei por esta situação muitas vezes.
Acho que este é o tipo de coisa que mina a nossa energia, e faz com que a gente
pegue implicância com certo tipo de música; fique com raivinha de certos
universos musicais. E como hoje em dia quase não gasto meu tempo e minha saúde
fazendo exatamente aquilo que não gosto, a boa vontade com os diferentes
ambientes e músicas aumentou.
Gosto
bastante de um texto onde
o escritor David Cain comenta uma crença bem comum: aquela onde achamos que precisamos
continuar pensando da mesma forma como pensávamos na adolescência ou infância –
como se esta fosse nossa “essência”, como se não pudéssemos (e devêssemos) ir
melhorando com o tempo. Por que deixar certas convicções velhas, verdadeiros
atrasos de vida, nos guiarem até hoje? É preciso repensar o que carregamos,
pois pode haver muita coisa sem sentido insistindo em permanecer no nosso
sistema. Somos feitos de tantas fases, tantas épocas, e é ótimo quando podemos
curtir estas fases sem nenhum tipo de censura infundada, decretada por nós
mesmos.
David
Cain também fala sobre como a adolescência às vezes nos joga em situações
desconfortáveis e por isso pegamos asco de certas “tribos” (ele ficou
enfastiado com a galera da música eletrônica/dance, por exemplo – estilo que
ele descobriu adorar, tempos depois, em outra situação, bem mais propícia e
longe das buátchys que
ele se forçou a ir aos 19 anos). Eu, ao ouvir pagode sem estar a fim, fiquei
ainda mais arrogante em relação ao que eu curtia: considerava o rock “bem
melhor” que todos os outros estilos que os colegas de escola ouviam. Só mais
tarde, já mais segura de quem eu era – e sabendo que não deixaria de ser eu
mesma apenas por ampliar meu gosto musical –, conheci músicas bacanas de vários
outros grupos além do Raça Negra (Art Popular, Fundo de Quintal, Só pra
Contrariar), e aos poucos fui achando que legal mesmo era não ser uma roqueira
radical. Era bem mais “diferente” (hahaha) ouvir tudo o que me desse na telha,
até mesmo porque eu já sabia que era um pouco assim – Jorge Ben, Daniela
Mercury, Jon Secada, Peppino di Capri e Donna Summer eram cantores que eu ouvia
muito, também, um pouco antes de mergulhar de vez no rock.
Outra
coisa que tenho pensado também, ultimamente, é que é fundamental, para que se
possa abrir o coração para um novo universo, que ninguém fique enchendo
o saco querendo forçar o outro a gostar de algo. Mas pior ainda é
quando se tenta demover alguém de gostar de algo (lembro claramente da vez em
que tentaram me demover de ouvir Janis Joplin). Isso só vai fazer com a pessoa
fique ainda mais interessada naquilo que “não deveria gostar” ou que fique
tímida na frente do missionário musical e insegura quanto ao próprio gosto
(como a gente consegue transformar em chata uma coisa tão prazerosa quanto a
música, né?). Deixemos cada um gostar do que quiser e vai dar tudo certo.
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