terça-feira, 14 de agosto de 2018

Clubinhos musicais

1) Certa vez estava comentando com uma amiga sobre rap, e dividi com ela, distraidamente, que não gostava muito deste tipo de som, e que quase não escutava nada desse gênero. Estávamos em um festival no qual haveria o show de uma rapper na abertura, por isso o tópico. Ela, por sua vez, me disse que gostava bastante de rap, por diversas razões (a vivência que teve com pessoas que ouviam muito esse estilo, as letras etc.). Que eu me lembre, assim que falei minhas impressões sobre o rap já achei meu comentário ligeiramente desnecessário, talvez por ser algo que eu mal sabia explicar, e por não ser um comentário muito construtivo. Daí, e talvez por isso, fui ver o show com o coração mais aberto – e adorei o show de Dory de Oliveira, que me prendeu do início ao fim. Essa conversa e esse show ficaram marcados.
2) Outro dia estava discutindo o arranjo de uma música com o parceiro Pedro Costa. Falando sobre sonoridades, mencionei que o baixo daquela gravação estava me lembrando a sonoridade da Rihanna (de quem só conheço duas músicas), e, tentando explicar que não curtia muito aquele estilo, comecei a me embananar: “Eu não curto muito o estilo, apesar de achar legal essa música. Quer dizer, nem curto tanto assim essa música, específica, mas até que o estilo é legal, né? Mas eu não queria que soasse assim...”. Não sabia dizer por que não gostava, e percebi que não era importante explicar. Teria sido mais fácil falar que queria outra sonoridade, simplesmente, ao invés de usar a música popzona como contraponto. Acho que já não está mais dando tanto pé colocar diferentes estilos musicais como antagonistas (talvez). E com certeza eu já sou outra pessoa, não mais aquela que precisa ser “contra” certo gênero musical. Até porque poderia ter sido colocado na minha música um elemento que lembrasse o som da Rihanna e eu gostasse. Apenas não foi o caso.
Aliás, notei que ultimamente poucas músicas têm me irritado ou tirado do sério. Há alguns anos, na verdade, tenho me sentido assim. Creio que isso tenha a ver com a possibilidade que temos, atualmente, de só ouvirmos as músicas que escolhemos. Não precisamos ficar entediados zapeando a TV, ouvindo um monte de coisa indesejada em programas de auditórios, certo? Eu, ao menos, não pratico mais este tipo de masoquismo, e acho que tem me ajudado a valorizar mais a música que não adoro, mas respeito.
Lembro que na adolescência – essa época dá pano para manga, em quase todos os meus textos ela aparece – fui, com uma colega, a um evento onde o DJ da casa só tocaria pagode. Eu fui sabendo que a festa era de pagode, e, principalmente, fui mesmo sabendo que eu não curtia pagode (só gostava de umas poucas do Raça Negra, mas mesmo assim não sairia para dançar ao som delas). A pergunta é: que diabos eu fui fazer lá? E este é só um exemplo entre vários, pois passei por esta situação muitas vezes. Acho que este é o tipo de coisa que mina a nossa energia, e faz com que a gente pegue implicância com certo tipo de música; fique com raivinha de certos universos musicais. E como hoje em dia quase não gasto meu tempo e minha saúde fazendo exatamente aquilo que não gosto, a boa vontade com os diferentes ambientes e músicas aumentou.
Gosto bastante de um texto onde o escritor David Cain comenta uma crença bem comum: aquela onde achamos que precisamos continuar pensando da mesma forma como pensávamos na adolescência ou infância – como se esta fosse nossa “essência”, como se não pudéssemos (e devêssemos) ir melhorando com o tempo. Por que deixar certas convicções velhas, verdadeiros atrasos de vida, nos guiarem até hoje? É preciso repensar o que carregamos, pois pode haver muita coisa sem sentido insistindo em permanecer no nosso sistema. Somos feitos de tantas fases, tantas épocas, e é ótimo quando podemos curtir estas fases sem nenhum tipo de censura infundada, decretada por nós mesmos.
David Cain também fala sobre como a adolescência às vezes nos joga em situações desconfortáveis e por isso pegamos asco de certas “tribos” (ele ficou enfastiado com a galera da música eletrônica/dance, por exemplo – estilo que ele descobriu adorar, tempos depois, em outra situação, bem mais propícia e longe das buátchys que ele se forçou a ir aos 19 anos). Eu, ao ouvir pagode sem estar a fim, fiquei ainda mais arrogante em relação ao que eu curtia: considerava o rock “bem melhor” que todos os outros estilos que os colegas de escola ouviam. Só mais tarde, já mais segura de quem eu era – e sabendo que não deixaria de ser eu mesma apenas por ampliar meu gosto musical –, conheci músicas bacanas de vários outros grupos além do Raça Negra (Art Popular, Fundo de Quintal, Só pra Contrariar), e aos poucos fui achando que legal mesmo era não ser uma roqueira radical. Era bem mais “diferente” (hahaha) ouvir tudo o que me desse na telha, até mesmo porque eu já sabia que era um pouco assim – Jorge Ben, Daniela Mercury, Jon Secada, Peppino di Capri e Donna Summer eram cantores que eu ouvia muito, também, um pouco antes de mergulhar de vez no rock.
Outra coisa que tenho pensado também, ultimamente, é que é fundamental, para que se possa abrir o coração para um novo universo, que ninguém fique enchendo o saco querendo forçar o outro a gostar de algo. Mas pior ainda é quando se tenta demover alguém de gostar de algo (lembro claramente da vez em que tentaram me demover de ouvir Janis Joplin). Isso só vai fazer com a pessoa fique ainda mais interessada naquilo que “não deveria gostar” ou que fique tímida na frente do missionário musical e insegura quanto ao próprio gosto (como a gente consegue transformar em chata uma coisa tão prazerosa quanto a música, né?). Deixemos cada um gostar do que quiser e vai dar tudo certo.
Acho que o que concluí é que cada vez menos está fazendo sentido isso de se privar de algo, isso de não entender que dentro de cada universo pode haver algo que te agrade. E se nada agradar no mundo do funk, por exemplo, ele também não precisa virar o inimigo, o “algo a ser combatido” (tem roqueiro aí – super bem estabelecido musicalmente – ficando ressentido com a popularidade da MC Loma, acredite se quiser). É inegável que o universo do samba, por exemplo, ajuda a construir a identidade de tantas e tantas pessoas, e certamente elas gostam de se afirmar “do samba”; é inegável que a galera do forró também se sente acolhida neste universo e se denomina “forrozeira”; é inegável que o rock me ajudou a encontrar um lugar onde me senti entre meus pares. Mas o que proponho é só que a gente não pense que não há lugar para nós em outros universos, também, porque de fato há (independente da boa ou má vontade das pessoas destas “tribos”), e essa mistura pode ser ótima. Diria que construí muito do que faço hoje em cima do rock, do forró e do samba/MPB, e certamente também em cima de outros gêneros, sem nem perceber ou  racionalizar. Mas sei que quero tudo o que o mundo tiver para dar e que for do meu agrado.   


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