terça-feira, 4 de setembro de 2018

Sobre quando eu não sabia do que falar



Eu não sabia sobre o que escrever. Do que falaria? Eu não tinha muita ideia do que dizer, porque não sabia direito quem era. 
Houve uma crise existencial fundamental, onde eu senti a tal “solidão de um corpo independente”, a percepção desta condição intrínseca e inevitável, e essa solidão melancólica me fez desesperar em alguns momentos. Eu precisei questionar quem eu era, me sentir estranha na minha pele e ir me encontrando para que, aos poucos, a coisa fosse ficando, além de intensa, também divertida. Porque mesmo quando eu falasse sobre algo dolorido, naquilo havia um gosto bom. Era eu me entendendo e construindo minha identidade. Como naquela frase de Neruda: “Algum dia em qualquer parte, em qualquer lugar indefectivelmente te encontrarás a ti mesmo, e essa, só essa, pode ser a mais feliz ou a mais amarga de tuas horas”. 
E  fui vendo o quanto era bom transformar a dor em algo que me ajudava. Fui pegando o constrangimento, a inadequação, a fragilidade, os rancores e falando sobre eles; libertando-me um pouco, aos poucos, desses fardos. “Falar sobre os piores sentimentos com os melhores sentimentos”, como diz Amir Haddad, foi algo poderoso, mas ao mesmo tempo bem gradual, cujo efeito fui notando aos poucos. Também fui pegando aquilo que me encantava, o que me movia, e fui fazendo daquilo uma música, ou ao menos um rascunho.
Mas, voltando à forma como eu pensava; acho que, apesar de eu amar cantar e criar músicas, havia um grande desejo intrínseco a essa história de ter uma banda (mesmo que meus atos não explicitassem essa ambição): ter muito reconhecimento, ser famosa com aquele grupo. Intimamente essa consequência era algo importante para mim. O processo teria que ter, ao final, esta “recompensa”. Um happy ending era obrigatório para aquilo que eu estava fazendo. Se alguém falasse que tudo aquilo ali seria “apenas” uma experiência, eu levaria este comentário praticamente como um insulto. Como assim? Todo o meu esforço para nada?
E penso que quando ficamos focados nesse tipo de possível consequência alguns detalhes passam sem receber nossa devida atenção. O que eu estava dizendo em minhas letras? Não sei. Aquilo que eu fazia tinha muito a ver com o estilo de vida com o qual eu me identificava (o universo do rock), mas bem menos com a expressão de quem eu era, com minhas próprias palavras. Eu me expressava através das melodias, é claro; e também através do jeito que eu escolhia cantar; até o jeito que eu me vestia era uma expressão. Tudo aquilo era muito eu, sem dúvidas. Mas eu não tinha muito do que falar, porque não me investigava, não me propunha a isso. Diria que eu apenas saía vivendo, e o que a vida oferecesse, eu topava. Não fazia muitas escolhas – ao menos fiz algumas, como cantar e fazer parte de uma banda –, e por isso achava que a vida era uma coisa irrefreável, onde nós tínhamos que nos adaptar ao que fosse acontecendo, apenas; praticamente sem nenhum poder de escolha. Você era o que era, e ponto; seu destino já havia sido selado. Faça o melhor com isso. Pode soar darwiniano e prático, mas acho esta não filosofia de vida apenas fatalista, frustrante e péssima. Pensar desta forma – quando, na realidade, você tem muitas escolhas e pode construir sua existência da forma mais adequada (possível) ao seu modo de ver o mundo – é tirar o mínimo da vida. Mas é isso o que acontece quando você nem sabe direito quem é. Eu não sabia qual era a minha forma de ver o mundo. E por isso não tinha muito a dizer.
Só quando fui me divertindo com o meu universo e gostando de utilizar as coisas que tinham a ver comigo é que fui tendo sobre o que escrever. Só quando, nessa tal fase densa, fui praticando mais a escrita, fui tocando vez ou outra o violão e experimentando nele, só quando fui reunindo as frases soltas em diversos lugares e tentando uni-las a melodias guardadas ou novas, só quando fui perdendo a vergonha de mim mesma e fui fazendo uns troços ruinzinhos e melhorando-os aos poucos (é assim que acontece, né?), só quando fui deixando reverberar em textos as conversas que eu trocava com as pessoas de meu convívio é que fui achando que, talvez, eu tivesse do que falar. Fui começando a saber quais eram as minhas questões. E começaram a surgir outras, como sempre surgirão, mas eu já estava bem mais atenta aos sinais e atenta ao que eu sentia.
E hoje mais detalhes me chamam a atenção. Cada vez mais as coisas que vejo me trazem a necessidade de escrever e me expressar. E cada vez mais as coisas que vivo se transformam em algo, porque cada vez mais eu preciso transformá-las.
E aos poucos vou entendendo do que é que eu quero falar.

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