Eu não sabia sobre o que escrever. Do que
falaria? Eu não tinha muita ideia do que dizer, porque não sabia direito quem
era.
Houve uma crise existencial fundamental, onde eu senti a tal “solidão de um corpo independente”, a percepção desta
condição intrínseca e inevitável, e essa solidão melancólica me fez desesperar
em alguns momentos. Eu precisei questionar quem eu era, me sentir estranha na
minha pele e ir me encontrando para que, aos poucos, a coisa fosse ficando,
além de intensa, também divertida. Porque mesmo quando eu falasse sobre algo
dolorido, naquilo havia um gosto bom. Era eu me entendendo e construindo minha
identidade. Como naquela frase de Neruda: “Algum
dia em qualquer parte, em qualquer lugar indefectivelmente te encontrarás a ti
mesmo, e essa, só essa, pode ser a mais feliz ou a mais amarga de tuas horas”.
E fui vendo o quanto era bom transformar a
dor em algo que me ajudava. Fui pegando o constrangimento, a inadequação, a
fragilidade, os rancores e falando sobre eles; libertando-me um pouco, aos
poucos, desses fardos. “Falar sobre os piores sentimentos com os melhores
sentimentos”, como diz Amir Haddad, foi algo poderoso, mas ao mesmo tempo bem
gradual, cujo efeito fui notando aos poucos. Também fui pegando aquilo que
me encantava, o que me movia, e fui fazendo daquilo uma música, ou ao menos um
rascunho.
Mas, voltando à forma como eu pensava; acho que,
apesar de eu amar cantar e criar músicas, havia um grande desejo intrínseco a
essa história de ter uma banda (mesmo que meus atos não explicitassem essa
ambição): ter muito reconhecimento, ser famosa com aquele grupo. Intimamente
essa consequência era algo importante para mim. O processo teria que ter, ao
final, esta “recompensa”. Um happy ending era
obrigatório para aquilo que eu estava fazendo. Se alguém falasse que tudo
aquilo ali seria “apenas” uma experiência, eu levaria este comentário
praticamente como um insulto. Como assim? Todo o meu esforço para nada?
E penso que quando ficamos focados nesse tipo de
possível consequência alguns detalhes passam sem receber nossa devida atenção.
O que eu estava dizendo em minhas letras? Não sei. Aquilo que eu fazia tinha
muito a ver com o estilo de vida com o qual eu me identificava (o universo do rock),
mas bem menos com a expressão de quem eu era, com minhas próprias palavras. Eu
me expressava através das melodias, é claro; e também através do jeito que eu
escolhia cantar; até o jeito que eu me vestia era uma expressão. Tudo
aquilo era muito eu, sem dúvidas. Mas eu não tinha muito do que falar, porque
não me investigava, não me propunha a isso. Diria que eu apenas saía vivendo, e o que a vida oferecesse, eu topava. Não fazia muitas escolhas –
ao menos fiz algumas, como cantar e fazer parte de uma banda –, e por isso
achava que a vida era uma coisa irrefreável, onde nós tínhamos que nos adaptar
ao que fosse acontecendo, apenas; praticamente sem nenhum poder de escolha.
Você era o que era, e ponto; seu destino já havia sido selado. Faça o melhor
com isso. Pode soar darwiniano e prático, mas acho esta não filosofia de vida apenas
fatalista, frustrante e péssima. Pensar desta forma – quando, na
realidade, você tem muitas escolhas e pode construir sua existência da forma
mais adequada (possível) ao seu modo de ver o mundo – é tirar o mínimo da vida.
Mas é isso o que acontece quando você nem sabe direito quem é. Eu não sabia
qual era a minha forma de ver o mundo. E por isso não tinha muito a dizer.
Só quando fui me divertindo com o meu universo e
gostando de utilizar as coisas que tinham a ver comigo é que fui tendo sobre
o que escrever. Só quando, nessa tal fase densa, fui praticando mais a escrita, fui tocando vez ou outra o violão e experimentando nele, só quando
fui reunindo as frases soltas em diversos lugares e tentando uni-las a melodias
guardadas ou novas, só quando fui perdendo a vergonha de mim mesma e fui
fazendo uns troços ruinzinhos e melhorando-os aos poucos (é assim que acontece,
né?), só quando fui deixando reverberar em textos as conversas que eu trocava
com as pessoas de meu convívio é que fui achando que, talvez, eu tivesse do que
falar. Fui começando a saber quais eram as minhas questões. E começaram a
surgir outras, como sempre surgirão, mas eu já estava bem mais atenta aos
sinais e atenta ao que eu sentia.
E hoje mais detalhes me chamam a atenção. Cada
vez mais as coisas que vejo me trazem a necessidade de escrever e me expressar.
E cada vez mais as coisas que vivo se transformam em algo, porque cada vez
mais eu preciso transformá-las.
E aos poucos vou entendendo do que é que eu quero
falar.
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