domingo, 11 de fevereiro de 2018

Febre uruguaia



Os uruguaios Jorge Drexler e Hugo Fattoruso em um belo encontro
                         


Há uma semana, exatamente, voltei de uma viagem. O giro foi relativamente rápido, mas muito gostoso, e feito inteiramente de ônibus. E uma das paradas foi o Uruguai – Montevidéu, mais especificamente. Estava animada para conhecer este lugar, e quando cheguei à cidade imediatamente começou aquilo que meu companheiro carinhosamente apelidou de “febre uruguaia”.
Saímos do terminal Tres Cruces e fomos andar pela cidade. Já pelas redondezas me encantei com as casas, as ruas quietas em plena sexta-feira, as cores. À noite, vimos a abertura do carnaval uruguaio na 18 de Julio, enquanto um vento gostoso amenizava o calor. 
Nos dias seguintes, já acompanhados do casal de amigos que mora em Montevidéu, Siri y Gabi, vivemos e vimos outras coisas na cidade. A grande feira da Tristán Narvaja, a vista do monte da Plaza del Carnaval de Uruguay, a Rambla, um ensaio de uma murga na praça Líber Seregni, os grafites e pichações políticos (“Cordón, barrio antiautoritário”, “Barrio sin racismo ni sexismo” etc.) e tantas outras coisas que anotei com detalhes apaixonados em um diário de viagem. Realmente a febre uruguaia havia me pegado de jeito: tudo me agradava, tudo parecia acima da média, mais interessante que o normal. 
Mas a visita a Montevidéu, além de me deixar febril, me ajudou a analisar um pouco melhor minha relação – e a do Brasil, de forma geral  com a cultura hispanohablante.
Sei que o sul do país, especialmente o Rio Grande do Sul, possui um contato maior com as culturas argentina e uruguaia, e que as fronteiras do norte, noroeste, oeste e sudoeste do Brasil também trocam com os países vizinhos. Mas o sudeste, onde vivo, fica muito distante desta vivência. E o eixo pelo qual mais circulo (RJ, SP e MG) quase não se comunica com este universo. Fui pensar na música feita na América Latina, e aí ficou mais evidente o pouco que sei do que acontece neste enorme continente do qual o Brasil faz parte.
O que sei de música uruguaia? Acho que conheço apenas Jorge Drexler, Hugo Fattoruso e o compositor Lyber Bermúdez. E dos países latinos, em geral? Violeta Parra (chilena), Shakira (colombiana), Maná e Carlos Santana (mexicanos), Calle 13 (porto-riquenhos), Orishas e Celia Cruz (cubanos), Mercedes Sosa, Perota Chingó, Gustavo Cerati + Soda Stereo, Fito Páez e Gotan Project (argentinos), Yma Sumac (peruana). Isso não é nada, se considerarmos o tamanho da América Latina. E fica ainda pior quando percebo que não sei o nome de um único artista da Guatemala, por exemplo.
Fui adiante, pensando no que eu conhecia da literatura e poesia latinas: os chilenos Isabel Allende, Pablo Neruda e Antonio Skármeta; o uruguaio Eduardo Galeano; o colombiano Gabriel García Márquez, os argentinos Ernesto Sabato, Julio Cortázar e Manuel Puig (ainda não li Borges, então não conta). Mais uma vez, isso não é nada, se considerarmos o tamanho da América Latina. E fica ainda pior quando percebo que não sei o nome de um único artista do Equador, por exemplo.
Na verdade, se eu enumerar todos os nomes latinos que admiro, em diversas áreas, sei que a soma total não será nada ao lado da grande quantidade de músicos, escritores, cineastas e artistas plásticos europeus e norte-americanos que conheço e aprecio. Por que isso, se hoje há internet e não dependemos da grande mídia para quase nada (nem notícias, ou melhor: muito menos notícias)? Acho que ainda não entendi que são outros os tempos; mesmo que sempre nos sejam oferecidas muito mais opções de arte europeia e norte-americana (exemplo: Netflix), sempre há, também ótimas opções latino-americanas (na própria Netflix). É só catar.
Mas, voltando à música, especificamente: todos os artistas que citei acima eu considero muito bons. E certamente há milhares de artistas incríveis na América Latina que eu, quando conhecer, irei amar. Quem será o “Caetano Veloso do Panamá”? Digo, quais serão os grandes nomes da música de cada um dos países latinos? E quais serão os artistas independentes e de ótima qualidade oriundos destes lugares?
Entendo que jamais conhecerei tudo de bom que é feito ao redor do mundo na área das artes (e nem quero: qual seria o tempo para criar minhas próprias músicas e escrever meus próprios textos? Apenas consumir a arte de terceiros não me satisfaz). Mas achei interessante me questionar sobre o pouco conhecimento que tenho – e que o sudeste brasileiro tem, diria eu – do que é produzido nos países vizinhos. E não é nada difícil estar mais sintonizado, hoje em dia. Uma boa dica é o Sofar Sounds Latin America, por exemplo, onde pode-se conhecer vários artistas independentes, de variados países hermanos.  
Voltei da viagem com a vontade de me integrar mais a esta imensidão cultural, este gigantesco universo do qual conheço tão pouco. Seria bom também aprender de vez a falar direito o castelhano, esta língua muito pouco valorizada por nós, brasileiros (que investimos bem mais no inglês). Seria bom um dia conhecer o Paraguai, por exemplo, país visto por nós como “lugar das muambas”, e matar de vez este preconceito, assim como seria bom conhecer tantos países próximos a nós que a mídia faz o favor de vender como perigosos, pobres, feios. 
Acho que ainda há entre os brasileiros muita reserva em relação aos países latino-americanos. Muitos de nós ainda preferimos viajar para lugares bem mais distantes (= caros) do que conhecer países que estão aqui, ao lado, e são tão diferentes do nosso (e, paradoxalmente, onde há uma grande identificação com o Brasil, a começar pela língua, tão semelhante à nossa). Lembro, por exemplo, que em 2006 tive a sorte de viajar para a Argentina com o grupo vocal do qual participava. Embora tenha adorado a viagem, eu ainda não estava com as antenas tão ligadas: ser sul-americana como os argentinos não bastou para que eu me conectasse de verdade a eles. Amei Buenos Aires e Mendoza, mas à época valorizei o fato de ambas parecerem cidades europeias. Muito diferente desta vez, quando valorizei exatamente o fato do Uruguai ser América Latina, e o fato da América Latina ser tão diversa.   
A febre uruguaia foi, obviamente, mais forte durante os seis dias em que estive em Montevidéu – quando apontava para tudo quanto é prédio, encantada com a arquitetura; onde curtia todas as praças; achava as frutas especialmente saborosas e os queijos mais simples os mais deliciosos; onde ouvir a língua era um deleite; onde até o vento parecia especialmente agradável –, mas creio que o efeito pós-febre foi forte, também: começar a me conectar, de vez, com a latinidade que carrego e que une a todos nós, do México à Argentina.

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