Há uma
semana, exatamente, voltei de uma viagem. O giro foi relativamente rápido, mas
muito gostoso, e feito inteiramente de ônibus. E uma das paradas foi o Uruguai
– Montevidéu, mais especificamente. Estava animada para conhecer este lugar, e
quando cheguei à cidade imediatamente começou aquilo que meu companheiro
carinhosamente apelidou de “febre uruguaia”.
Saímos do
terminal Tres Cruces e fomos andar pela cidade. Já pelas redondezas me encantei
com as casas, as ruas quietas em plena sexta-feira, as cores. À noite, vimos a
abertura do carnaval uruguaio na 18 de Julio, enquanto um vento gostoso
amenizava o calor.
Nos dias
seguintes, já acompanhados do casal de amigos que mora em Montevidéu, Siri y
Gabi, vivemos e vimos outras coisas na cidade. A grande feira da Tristán
Narvaja, a vista do monte da Plaza del Carnaval de Uruguay, a
Rambla, um ensaio de uma murga na praça Líber Seregni, os grafites e
pichações políticos (“Cordón, barrio antiautoritário”, “Barrio sin racismo ni
sexismo” etc.) e tantas outras coisas que anotei com detalhes apaixonados em um diário de viagem. Realmente a febre uruguaia havia me pegado de jeito: tudo me
agradava, tudo parecia acima da média, mais interessante que o normal.
Mas a visita
a Montevidéu, além de me deixar febril, me ajudou a analisar um pouco
melhor minha relação – e a do Brasil, de forma geral – com a cultura hispanohablante.
Sei que o sul
do país, especialmente o Rio Grande do Sul, possui um contato maior com as
culturas argentina e uruguaia, e que as fronteiras do norte, noroeste, oeste e
sudoeste do Brasil também trocam com os países vizinhos. Mas o sudeste, onde
vivo, fica muito distante desta vivência. E o eixo pelo qual mais circulo (RJ,
SP e MG) quase não se comunica com este universo. Fui pensar na música feita na
América Latina, e aí ficou mais evidente o pouco que sei do que acontece neste
enorme continente do qual o Brasil faz parte.
O que sei de
música uruguaia? Acho que conheço apenas Jorge Drexler, Hugo Fattoruso e o compositor Lyber
Bermúdez. E dos países latinos, em geral? Violeta Parra (chilena), Shakira
(colombiana), Maná e Carlos Santana (mexicanos), Calle 13 (porto-riquenhos),
Orishas e Celia Cruz (cubanos), Mercedes Sosa, Perota Chingó, Gustavo Cerati + Soda Stereo, Fito Páez e
Gotan Project (argentinos), Yma Sumac (peruana). Isso não é nada, se
considerarmos o tamanho da América Latina. E fica ainda pior quando percebo que
não sei o nome de um único artista da Guatemala, por exemplo.
Fui adiante,
pensando no que eu conhecia da literatura e poesia latinas: os chilenos Isabel
Allende, Pablo Neruda e Antonio Skármeta; o uruguaio Eduardo Galeano; o
colombiano Gabriel García Márquez, os argentinos Ernesto Sabato, Julio Cortázar e Manuel Puig (ainda não li Borges, então não conta). Mais uma vez, isso não é nada, se considerarmos
o tamanho da América Latina. E fica ainda pior quando percebo que não sei
o nome de um único artista do Equador, por exemplo.
Na verdade,
se eu enumerar todos os nomes latinos que admiro, em diversas áreas, sei que a
soma total não será nada ao lado da grande quantidade de músicos, escritores,
cineastas e artistas plásticos europeus e norte-americanos que conheço e
aprecio. Por que isso, se hoje há internet e não dependemos da grande mídia
para quase nada (nem notícias, ou melhor: muito menos notícias)? Acho que ainda
não entendi que são outros os tempos; mesmo que sempre nos sejam oferecidas muito
mais opções de arte europeia e norte-americana (exemplo: Netflix), sempre há,
também ótimas opções latino-americanas (na própria Netflix). É só catar.
Mas,
voltando à música, especificamente: todos os artistas que citei acima eu
considero muito bons. E certamente há milhares de artistas incríveis na América
Latina que eu, quando conhecer, irei amar. Quem será o “Caetano Veloso do
Panamá”? Digo, quais serão os grandes nomes da música de cada um dos países
latinos? E quais serão os artistas independentes e de ótima qualidade oriundos
destes lugares?
Entendo que
jamais conhecerei tudo de bom que é feito ao redor do mundo na área das artes
(e nem quero: qual seria o tempo para criar minhas próprias músicas e escrever
meus próprios textos? Apenas consumir a arte de terceiros não me satisfaz). Mas
achei interessante me questionar sobre o pouco conhecimento que tenho – e que o
sudeste brasileiro tem, diria eu – do que é produzido nos países vizinhos. E
não é nada difícil estar mais sintonizado, hoje em dia. Uma boa dica é o Sofar
Sounds Latin America, por exemplo, onde pode-se conhecer vários
artistas independentes, de variados países hermanos.
Voltei da
viagem com a vontade de me integrar mais a esta imensidão cultural, este
gigantesco universo do qual conheço tão pouco. Seria bom também aprender de vez
a falar direito o castelhano, esta língua muito pouco valorizada por nós,
brasileiros (que investimos bem mais no inglês). Seria bom um dia conhecer o
Paraguai, por exemplo, país visto por nós como “lugar das muambas”, e matar de
vez este preconceito, assim como seria bom conhecer tantos países próximos a
nós que a mídia faz o favor de vender como perigosos, pobres, feios.
Acho que
ainda há entre os brasileiros muita reserva em relação aos países
latino-americanos. Muitos de nós ainda preferimos viajar para lugares bem mais
distantes (= caros) do que conhecer países que estão aqui, ao lado, e são tão
diferentes do nosso (e, paradoxalmente, onde há uma grande identificação com o
Brasil, a começar pela língua, tão semelhante à nossa). Lembro, por exemplo,
que em 2006 tive a sorte de viajar para a Argentina com o grupo vocal do qual
participava. Embora tenha adorado a viagem, eu ainda não estava com as antenas
tão ligadas: ser sul-americana como os argentinos não bastou para que eu me
conectasse de verdade a eles. Amei Buenos Aires e Mendoza, mas à época valorizei
o fato de ambas parecerem cidades europeias. Muito diferente desta vez, quando
valorizei exatamente o fato do Uruguai ser América Latina, e o fato da América
Latina ser tão diversa.
A febre
uruguaia foi, obviamente, mais forte durante os seis dias em que estive em
Montevidéu – quando apontava para tudo quanto é prédio, encantada com a
arquitetura; onde curtia todas as praças; achava as frutas especialmente
saborosas e os queijos mais simples os mais deliciosos; onde ouvir a língua era
um deleite; onde até o vento parecia especialmente agradável –, mas creio que o
efeito pós-febre foi forte, também: começar a me conectar, de vez, com a
latinidade que carrego e que une a todos nós, do México à Argentina.
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