Drummond e Elke
Em uma das
escolas onde estive conheci uma pessoa muito alegre. Trabalhava, inclusive,
como palhaça. Esta figura, com aquela força que os alegres têm, estava sempre
animada e aberta às novas amizades que todos nós estávamos fazendo por lá, uma
turma de alunos recém-chegados. Deixando claro, não era aquela animação que não
ouve o outro, histriônica e egocêntrica; a alegria dela era uma forma de chegar
mais perto de quem a cercava, e pelo coração, mesmo. Havia um rapaz, porém, que
nutria especial cisma por esta pessoa (“seu sorriso é falso”, disse ele a ela;
“ninguém está sempre feliz daquele jeito”, disse ele sobre ela). A alegria dela
o irritava.
Não sei se
existe alguma pessoa que seja alegre e não tenha ouvido este tipo de
comentário-ataque. Acho que não. Ao mesmo tempo em que a alegria é algo
fascinante, pode despertar a irritação da galera que acha que este
sentimento-comportamento é coisa de gente burra, vazia e pouco politizada.
A escritora
Gretchen Rubin fala sobre como teve contato com pessoas conhecidas por sua
animação constante, e disse que, entrevistando-as, percebeu o quanto muitas
delas cultivavam aquele sentimento com esforço e dedicação. Talvez tivessem,
sim, uma natureza alegre, mas isso não se sustentava apenas por ser algo inato.
Era preciso, dia após dia, cuidar daquele estado “natural”, fazendo-o sempre
presente – do contrário, a vida o engoliria, sem dificuldades.
Tenho um
amigo que carrega esta característica. Sua animação é visível, e acaba sendo
contagiante. Mas, tendo tido bastante contato com ele, vi que aquela era uma
opção, uma filosofia de vida – e, mais do que isso: uma arma para
passar por este mundo de uma forma menos traumática, eu diria. Ele faz um
esforço para que esta alegria esteja com ele em todos os ambientes onde está.
Esta é uma característica que faz com que tantas e tantas pessoas comecem a rir
assim que o veem, imediatamente.
Acho esta
influência da alegria algo muito poderoso. Me faz lembrar de um caso que Elke
(Mulher Maravilha) contou, em uma entrevista, sobre seu encontro com Drummond:
Uma vez,
quando eu tinha 30 e poucos anos, na Avenida Nossa Senhora de Copacabana eu dou
de cara com Carlos Drummond de Andrade. Falo com ele? Não, não tenho coragem.
Aí ele veio falar comigo. Ele me abraçou, me abraçou e falou: “Elke, eu sou
doido por você!” (...) “Pois é, você sabe que eu sou fechado, sou uma pessoa
triste, taciturna. E quando estou bem triste, ligo a televisão, te vejo, fico
alegre, fico até feliz.
Gostei muito
de saber desta fala dele. Eu acho que as pessoas alegres têm exatamente este
efeito em nossas vidas: apenas a presença delas no mundo é um alívio. Não
precisa ser nem pessoalmente – se for, melhor ainda –, mas conhecê-las faz
um bem danado. Manter perto de nós pessoas animadas com as possibilidades do
mundo pode, quem sabe, nos contagiar. A mim, sempre contagia. Não falo –
novamente – de egocentrismo, mas do exato contrário. O alegre muitas vezes é um
generoso, querendo dividir o que sente; e também lutando para não esmorecer e
não se deixar levar pela roda viva do desânimo.
(Drummond me
fez notar que Elke também sempre me faz sorrir, mesmo não estando mais aqui.
Sempre que vejo ou leio suas entrevistas, uma sensação boa me vem, e um sorriso
também, de imediato.)
Muitas
pessoas admiráveis já falaram sobre isso. A antropofagia oswaldiana me abriu os
olhos para o fato de que a alegria é a prova dos nove. Daí o teatro de Zé Celso
me fez presenciar e sentir isso. E Amir Haddad me fez ter certeza absoluta
desta afirmação, quando pude vivenciar sua teatralidade carnavalizada,
exagerada, colorida e anárquica. Confundir alegria com falta de discernimento
ou consciência política é ser (aí, sim) bastante raso. A alegria pode
revolucionar intimamente – e o pessoal é político. Creio plenamente
nisso.
Acho
importante ressaltar que me identifico muito com os taciturnos, fechados,
tímidos e reservados; e cada vez mais. Mas não acho que estes sejam os
opositores do alegre; não necessariamente. Acho que tanto um quanto o outro
desejam entender o mundo ao máximo, viver intensamente; ambos querem ter uma
existência distante da mediocridade. Porém, buscam isso de formas distintas.
Além do mais, o alegre não é alegre o tempo todo e inevitavelmente tem seus
momentos de escuridão; e a pessoa reservada também tem seus momentos de euforia
e leveza.
Eu diria que
o introvertido Drummond, o poeta melancólico das eternas dores itabiranas que
se apaixona pela alegria de Elke, é um exemplo perfeito deste entusiasmo que
todos nós desejamos ou temos dentro de nós, e que às vezes transborda na
presença de uma figura ensolarada.
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