quinta-feira, 31 de maio de 2018

(Não) quero ser blasé





Qual seria o problema de quem considera tudo ridículo? Seria uma admiração mal resolvida por quem consegue levar adiante uma ideia ou um jeito de ser? Seria algum tipo de rancor por quem banca ser o que é?  

Lembro de achar estranho e um pouco constrangedor Fred Schneider e o B-52’s. Que diabos era aquele cara cantando daquele jeito? E dançando daquele jeito? Tempos depois, consegui admitir para mim que aquilo tudo era apenas fascinante, mesmo. Os vocais de Kate Pierson e Cindy Wilson em “Rock Lobster” eram tão estranhos quanto ótimos. Tudo aquilo era muito bom, e a questão era só me acostumar com coisas boas.

E vi esse fenômeno acontecer diversas vezes: algo que estranhava bastante no início logo depois se tornava um vício. Essa rejeição inicial geralmente acontecia quando algo que eu via ou ouvia era “muito ousado pro meu gosto”, daí demorava um pouco para digerir. Mas logo depois eu estava amando aquilo de que antes eu estava rindo. E, hoje em dia, inúmeras coisas que eu considerava admiráveis, cool, se tornaram apenas ridículas (ex.: fazer o que todo mundo está fazendo, mesmo sem gostar ou querer).

A gente vai crescendo e entendendo esse tipo de coisa, mas a ridicularização de tudo e todos continua aí, firme e forte, com seus dedos apontados, rindo, debochada. E este ato, por mais que saibamos que é uma besteira, pode ter um efeito bem ruim: o de conseguir fazer com que o ridicularizado acredite que o seu jeito, ou aquilo que ama/faz, de fato talvez seja mesmo um pouco desprezível e deva ser repensado. O cínico -ridicularizador pode ter este poder. (Cinismo é visto como algo admirável. O descoladão geralmente é cínico-blasé. Já reparou?)

E, como a ausência de cinismo dá um sabor de ingenuidade, esta característica acaba sendo vista por alguns como burrice, coisa de gente pouco vivida. A espontaneidade, esta opositora do cinismo, muitas vezes leva alguém a ser “o estranho” do grupo. Aquela pessoa da tchurma que não tem o hábito de ser charmosamente neurastênica, que fica um pouco à margem desse tipo de comportamento (lembrou?), rapidamente se torna “a bobinha”. Aos olhos dos espertos.

Acho que é a ausência do cinismo que nos dá nossa essência. Livre do cinismo somos nós mesmos, e únicos, como todo ser humano é. Daí a gente acaba sendo estranho do jeito que deve ser, o tal do “autêntico” (coisa que fazemos questão de não ser).

Às vezes o cinismo vem para “fazer uma graça”, piadinhas e tal; às vezes vem apenas por uma questão de sobrevivência, mesmo – convenhamos: parece bem mais fácil ser apenas mais um em uma multidão de sarcásticos do que ser aquele que vai ser zoado de tempos em tempos por não ser como o rebanho. O cínico aprendeu com alguém a ser assim para enfim ser respeitado e levado a sério. Pena que não se respeitou!

Lembro de certa vez que comentei com alguém sobre um filme que abordava a amizade entre dois homens, e percebi, em certo momento, que enquanto eu falava essa pessoa fazia um sinal com o dedo do meio (“dedo no cu”) para que outra pessoa, também à mesa, visse e risse. Detalhe que o filme por acaso nem era sobre um casal gay, mas sobre dois amigos, mesmo. Concluo, graças a esse e outros trocentos casos quase idênticos: que trava nós temos com as coisas boas e sensíveis. Que mania chata nós temos de ridicularizar qualquer tema que não seja a vida alheia, o futebol, o trabalho; os genéricos de sempre. Estamos sempre fugindo dos assuntos mais importantes.   

Talvez muita coisa se resolva com um bom destravamento, mesmo. Creio que seja apenas esse o caso, na maioria das vezes. Vejo que, parando de se reprimir, a coisa flui e nada mais parece tão risível, tão desprezível. O riso fica mais compartilhado, e menos direcionado à humilhação. 
O bom é perceber que não estamos aqui para agradar a ninguém, e que seremos, sempre, ridículos. A liberdade de não ligar para isso (ou ligar bem pouco) é impagável. Penso sobre o quanto tentei agradar a quem me cercava, a vida inteira. Sem cessar. O incrível é: nunca deu certo. E felizmente não deu certo. Imagina que péssimo se eu tivesse aberto mão de quem sou, desde sempre, e tudo fluísse às mil maravilhas? Eu só poderia entender que a vida estava dando o recado de que devemos, sim, nos moldar aos outros e desistir de quem somos. Felizmente, a didática da vida foi bem clara.

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