Quanto
mais eu vejo nossa necessidade de nos classificarmos, mais vejo que não sou
nada. Profissionalmente, digo.
Acho
que a única coisa que não posso negar que sou é cantora. Mesmo assim, há
controvérsias.
Quanto
mais vejo que somos DJs, designers, empreendedores, ilustradores, cervejeiros,
atores, jornalistas, dançarinos e estudantes de pós-graduação, tenho certeza de
que não sou nada do que já declarei ser.
Todas
as vezes em que quis me definir, a verdade é que menti.
Talvez
eu só seja, mesmo, cantora. E para mim está ótimo assim.
Mas,
como disse, há controvérsias.
Já
disseram que eu não era exatamente uma cantora, assim, propriamente. Entende?
Na boa, é claro. E não sei, na verdade, se há alguma coisa que eu de fato seja
que, em algum momento, não tenha sido negada por outrem.
(Por outro
lado, pude saber que eu era várias coisas: vieram me dizer. Eu nem sabia, mas
ainda bem que me avisaram.)
Talvez
nem artista eu seja, porque um artista vive do que faz, dirão. Drummond,
Guinga, Paulo Bruscky e Bukowski viveram/vivem também de outras coisas, mas
todo mundo sabe que esses são artistas, de fato – aliás, creio que alguns
apostariam que estes viveram/vivem única e exclusivamente de suas artes, pois é
o que parece. E muitos de meus amigos artistas, também, se sustentam com outras
coisas, além da arte. Mas eu não sei se posso me classificar assim, visto que não sou
Bukowski, nem Drummond, nem Paulo Bruscky, nem Guinga, nem meus amigos.
Agora
falando sério: na mesma medida em que acho lamentável o interesse de terceiros
em nos classificar (principalmente em nos desclassificar, na verdade), penso
que quero cada vez mais não ser o que já tanto disse que sou. Não sou atriz nem
professora de canto. Não sou estudante de pós-graduação coisa nenhuma. Não sou
nada além de alguém que canta. (Acabei de descobrir que melhor do que ser uma
cantora é ser alguém que canta.)
E
por que diabos falar nisso, então? Era mais fácil deixar isso para lá e
simplesmente não me classificar como nada, parar de mentir e vida que segue.
Mas acontece que escrever é bom para organizar os pensamentos, daí a vontade de
vir aqui um pouquinho e falar sobre essa besteira.
Como
mencionei, a vontade de classificar vinda dos outros existe. Mas a vontade de
autoclassificação é muito maior. Afinal, o mundo pede isso. Quem é você? Se
você for pouco, não serve. Só isso? Cadê a polivalência, a versatilidade? E,
engraçado: é preciso polivalência e especialização, ao mesmo tempo. Conheça
muitas coisas, e muito bem todas elas. Bem, na verdade o mundo (=sistema) tem o
direito de pedir isso. Bobos somos nós, que obedecemos. Era só deixar o “mundo”
falando sozinho, com suas exigências impossíveis (estagiário com experiência
etc.).
Por
que a gente cai nessa de que tem que ter diversas vírgulas na hora da
apresentação – cantor, produtor, VJ, influencer,
redator, multiartista? Sério, já me peguei algumas (várias) vezes pensando que
eu era pouco, muito pouco, graças a esse parâmetro aí. Felizmente cheguei à
conclusão de que eu só era uma coisa, mesmo, se tanto, e isso me deu um alívio
danado.
Porque,
na verdade... Penso que somos uma grande quantidade de coisas. Mas não sei se
elas servem para o currículo. Acho que não. E não sei se elas precisam ser
ditas. Acho que trata-se de uma tentativa de conquistar respeito (algo que não
deveria ser conquistado, e sim distribuído livremente entre todos, sem
distinção). Mas, como este é um material escasso, vem essa necessidade (minha e
de tantos) de provar algo a alguém. Fica sendo uma pequena briga: “Se você por
acaso está pensando que não sou porra nenhuma, agora aguenta: sou isso, isso,
isso e isso. E isso também. Durma com esse barulho”.
E por que a
gente não seria
assim? Competitividade é a palavra de ordem. Por que não nos sentiríamos
inseguros? Não temos motivos para carregar um sentimento de confiança. A
qualquer momento pode vir alguém querendo reduzir nossas convicções a pó. Com
qual intuito, vai saber. Ou melhor, sabemos: o mesmo intuito que temos quando
vamos até o outro com o propósito de reduzir a confiança dele a pó.
Não
estou pregando a falsa modéstia, nem achando que é preciso esconder nenhum
fato. Temos mesmo que reconhecer nosso próprio esforço e as vontades que
conseguimos levar adiante, temos mesmo que sentir satisfação por termos
alcançado tanto.
Mas
não acho (não mais) que estar satisfeito implique avisar a terceiros sobre
isso. Ser ou fazer independe de alguém saber disso. Sendo noticiada ou não, a
coisa está acontecendo.
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