Você já pediu permissão para ser artista?
Fico feliz por quem não esteja nem entendendo
bem essa pergunta, pelo fato de nunca ter se sentido assim.
Mas lembro de inúmeras vezes em que senti,
claramente, um grande medo de fazer minha arte sem a autorização de ninguém.
Estava conversando com meu companheiro esses
dias, e me vi percebendo exatamente o quanto ele nunca havia pedido permissão
para fazer nada do que fez. Coloca sua arte no mundo, sempre, e até hoje não
achou que não teria o direito de fazê-lo. Nunca perguntou a alguém se, sendo
artista visual, poderia fazer um documentário (“área do cinema”), apenas fez. Utilizou
diversas mídias, à vontade. Escreveu livros, fez músicas. Não pela vontade de
se classificar como “multimídia”, mas pela vontade de criar sem freios
ou limites. Acho que ele não acredita em “proprietários das artes”: ela
é de todos, chega quem quer.
Mas muitos de nós ainda nos colocamos em caixas
e pensamos que precisamos da tal benção de alguém, ou que precisamos de
cursos e graduações para realizarmos algo. Os cursos e as graduações podem ser experiências
fascinantes (muitas vezes são épocas marcantes, ricas e cheias de encontros),
mas se a gente estiver usando esta futura graduação ou curso apenas para adiar aquilo
que a gente já poderia estar fazendo, é só autoboicote, mesmo. “Queria muito
escrever, mas aquele curso de escrita literária está meio caro”; “queria muito dançar,
mas não tenho grana pra me matricular na Deborah Colker”; “poxa, o curso de
interpretação que a fulana vai dar é em São Paulo, que pena, não vai ser dessa
vez que finalmente vou começar a interpretar”. Não é incomum inventarmos
desculpas esfarrapadas para continuarmos chafurdando no medo. A especialização
está aí para ajudar, não para servir de freio de mão. (Sou, aliás, totalmente a
favor dessa experiência deliciosa que é estudar o que se ama.)
Na infância, felizmente, a maioria das pessoas
se sente livre, (quase todo mundo ainda se sente artista). Quando crescemos é
que a competitividade, a cobrança e a comparação falam mais alto (não que estas
três maravilhas não existam na infância – quem dera! –, mas vejo que a coisa
pega com força, mesmo, mais tarde); então fui crescendo, virei adolescente e, depois,
já “gente grande”, fui achando que era preciso antes de qualquer coisa, estudar
muito, talvez muitos anos, para fazer coisas que eu já poderia fazer. Só depois
desses estudos eu seria “algo” ou “alguém”.
(Também podemos usar como freio de mão um “guru”,
alguém que a gente adore e que nos diga exatamente o que devemos fazer. Só ele
sabe! “Ele aprovou”, então está tudo sob controle: você está autorizado a seguir em frente -- ufa!)
Penso que muitos de nós estamos procurando a
carteirinha de artista em algum lugar, mas essa carteirinha não nos é dada
nunca. Ela não vem com o diploma, nem com o certificado de curso de interpretação,
nem com as fotos daquele concurso de pintura que fizemos. Nem o currículo
recheado de informações e atuações na área artística mostra que você é um “artista
certificado”. Porque sempre haverá alguém com padrões muito maiores que os
nossos, prontinho para falar que o que a gente fez não é suficiente, não dá
nem pro começo. Então a gente busca de qualquer jeito essa legitimidade, mas
ela não vem nunca, e o resultado é: ficamos desesperados, querendo respeito e dando
carteirada (talvez a da Ordem dos Músicos sirva, quem sabe?), como se fossem os
outros que devessem nos respeitar, e não nós mesmos.
Precisamos escrever nas redes sociais
absolutamente tudo o que já alcançamos, para que ninguém duvide de nossa
capacidade. Mas a má notícia é que vão continuar duvidando, sempre. E a boa
notícia é que se a gente parar de duvidar, o problema está resolvido e a gente
não vai mais se impedir de fazer nada.
Daí comecei também a pensar, nesses últimos
dias, sobre o que ando querendo fazer. E em como isso pode soar pretensioso,
para alguns (e ao mesmo tempo pífio, para outros). Será que meus projetos – que
não são nada de mais, na verdade – estão “fora de minha alçada”? Será que estou achando que sou uma grande coisa, e
querendo fazer mais do que deveria? Bem, segundo minha visão, não; nem um pouco.
Pensando sobre isso, entendi que realmente não há nada que a gente não “deva”
fazer artisticamente – não estou falando de questões éticas; refiro-me à questão
da linguagem/área.
Não sinto (mais) a necessidade de me denominar isso ou aquilo, mas entendo que preciso ser pretensiosa (no melhor dos sentidos) caso eu realmente
queira fazer três coisas ao mesmo tempo (todas ligadas ao meu trabalho
artístico como cantora), por exemplo. Porque estas coisas me dão força, porque
estas coisas se alimentam, porque não há outra forma de fazer acontecer que não
seja: ir lá e fazer. Sem esperar que alguém “permita” – ou, pior, que alguém,
algum dia, do nada, bata à minha porta e me convide para fazer exatamente essas coisas que quero fazer. Taí algo que não vai rolar nunca.
Desejo a todos nós uma grande cara de pau e muita
coragem para que sejamos pretensiosos, sem crises, sempre que necessário. Que a gente consiga ser aquele
que “pretende demasiadamente” (segundo o dicionário), aquele metido que vai lá e faz, sem a permissão de ninguém.
*
O título desse texto é uma referência à “Seção Pretensão”, da revista MAD, na qual os leitores enviavam seus
desenhos e charges. Me vi pensando que o nome da seção não podia ser melhor
para mostrar o quanto a tal da pretensão pode ser muito positiva.
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