Qual seria o problema de quem considera tudo
ridículo? Seria uma admiração mal resolvida por quem consegue levar
adiante uma ideia ou um jeito de ser? Seria algum tipo de rancor por quem banca
ser o que é?
Lembro de achar estranho e um pouco constrangedor
Fred Schneider e o B-52’s. Que diabos era aquele cara cantando daquele jeito? E
dançando daquele jeito? Tempos depois, consegui admitir para mim que aquilo
tudo era apenas fascinante, mesmo. Os vocais de Kate Pierson e Cindy Wilson em
“Rock Lobster” eram tão estranhos quanto ótimos. Tudo aquilo era muito bom, e a
questão era só me acostumar com coisas boas.
E vi esse fenômeno acontecer diversas vezes: algo
que estranhava bastante no início logo depois se tornava um vício. Essa
rejeição inicial geralmente acontecia quando algo que eu via ou ouvia era
“muito ousado pro meu gosto”, daí demorava um pouco para digerir. Mas logo
depois eu estava amando aquilo de que antes eu estava rindo. E, hoje em dia,
inúmeras coisas que eu considerava admiráveis, cool, se tornaram
apenas ridículas (ex.: fazer o que todo mundo está fazendo, mesmo sem gostar ou
querer).
A gente vai crescendo e entendendo esse tipo de
coisa, mas a ridicularização de tudo e todos continua aí, firme e forte, com
seus dedos apontados, rindo, debochada. E este ato, por mais que saibamos que é
uma besteira, pode ter um efeito bem ruim: o de conseguir fazer com que o
ridicularizado acredite que o seu jeito, ou aquilo que ama/faz, de fato talvez
seja mesmo um pouco desprezível e deva ser repensado. O cínico -ridicularizador pode ter este poder. (Cinismo é visto
como algo admirável. O descoladão geralmente é cínico-blasé. Já reparou?)
E, como a ausência de cinismo dá um sabor de ingenuidade, esta
característica acaba sendo vista por alguns como burrice, coisa de gente pouco
vivida. A espontaneidade, esta opositora do cinismo, muitas vezes leva alguém a
ser “o estranho” do grupo. Aquela pessoa da tchurma que não tem o hábito de ser
charmosamente neurastênica, que fica um pouco à margem desse tipo de
comportamento (lembrou?), rapidamente se torna “a bobinha”. Aos olhos dos
espertos.
Acho que é a ausência do cinismo que nos dá nossa essência. Livre do
cinismo somos nós mesmos, e únicos, como todo ser humano é. Daí a gente acaba sendo
estranho do jeito que deve ser, o tal do “autêntico” (coisa que fazemos questão
de não ser).
Às vezes o cinismo vem para “fazer uma graça”, piadinhas e tal; às
vezes vem apenas por uma questão de sobrevivência, mesmo – convenhamos: parece
bem mais fácil ser apenas mais um em uma multidão de sarcásticos do que ser
aquele que vai ser zoado de tempos em tempos por não ser como o rebanho. O
cínico aprendeu com alguém a ser assim para enfim ser respeitado e levado a
sério. Pena que não se respeitou!
Lembro de certa vez que comentei com alguém sobre um filme que
abordava a amizade entre dois homens, e percebi, em
certo momento, que enquanto eu falava essa pessoa fazia um sinal com o dedo do meio (“dedo no cu”)
para que outra pessoa, também à mesa, visse e risse. Detalhe que o filme por
acaso nem era sobre um casal gay, mas sobre dois amigos, mesmo. Concluo, graças
a esse e outros trocentos casos quase idênticos: que trava nós temos com as
coisas boas e sensíveis. Que mania chata nós temos de ridicularizar qualquer
tema que não seja a vida alheia, o futebol, o trabalho; os genéricos de sempre. Estamos sempre fugindo dos assuntos mais importantes.
Talvez muita coisa se resolva com um bom
destravamento, mesmo. Creio que seja apenas esse o caso, na maioria das vezes.
Vejo que, parando de se reprimir, a coisa flui e nada mais parece tão risível,
tão desprezível. O riso fica mais compartilhado, e menos direcionado à
humilhação.
O bom é perceber que não estamos aqui para
agradar a ninguém, e que seremos, sempre, ridículos. A liberdade de não ligar
para isso (ou ligar bem pouco) é impagável. Penso sobre o quanto tentei agradar
a quem me cercava, a vida inteira. Sem cessar. O incrível é: nunca deu certo.
E felizmente não deu certo. Imagina que péssimo se eu tivesse
aberto mão de quem sou, desde sempre, e tudo fluísse às mil maravilhas? Eu só
poderia entender que a vida estava dando o recado de que devemos, sim, nos
moldar aos outros e desistir de quem somos. Felizmente, a didática da vida foi
bem clara.